PI I-II. Évora, André de Burgos, 1567
ANO EDIÇÃO: 
1567

EDITOR

André de Burgos. 

Espanhol de nascimento, André de Burgos trabalhou por terras hispalenses de 1542 a 1549. Ao que parece, o cardeal-infante D. Henrique foi quem o trouxe a Portugal, sob cujos auspícios se estabeleceu em Évora. Na opinião de Gonçalves , em 1559 foi condenado a um ano de desterro porque se dizia dele que ensenhava a fazer cartas de jugar; só lá esteve dois meses . As marcas de que se valeu foram, entre outras, a esfera armilar e o escudo das armas reais, com um grifo no timbre. Segundo Delgado Casado, o Andrés de Burgos que trabalha tipograficamente em Sevilha não é o mesmo que publica na cidade de Évora.

PARATEXTOS FRONTISPÍCIO

 

[1r: frontispício] Cronica do famoso e muito esforçado cavaleiro Palmeirim d´Inglaterra, filho d´El-Rei dom Duardos, no qual se contam suas proezas, e de Floriano do Deserto, seu irmão, e algũas do príncipe Florendos, filho de Primalião.

Vai corregida e emendada nesta terceira impressão de alguns erros.
Impressa na cidade d´Évora, 1564

 

PARATEXTOS PRÓLOGOS

[{1v}] Prólogo dirigido à ilustríssima e muito esclarecida princesa dona Maria, ifante de Portugal, filha d´El-Rei dom Manoel e irmã d´El-Rei dom João Terceiro, que santa glória hajam.

Muita parte da honra dos príncipes, como diz Estrabo, está no louvor do povo, e parece rezão que seja assi, porque como a geralidade no bem dos maiores fale sem afeição é de crer que todos seus louvores têm o nacimento da vertude dos louvados, nos quais se manifesta que tais sejam os costumes, vida e obras daqueles a que louvam. Pois se por esta via o merecimento d´alguns príncipes ao longe resplandece e antre os humanos se celebra com encarecidas palavras, Vossa Alteza, mui esclarecida Princesa, assi antre os grandes como na gente geral do estado não será posta em esquecimento; que de tal calidade são vossas vertudes que com igoal afeição se pregoam. Isto não somente acontece aos naturais deste reino, de que vós sois filha, a que porventura o amor da natureza e d´El-Rei, vosso irmão, porá esta obrigação. Mas inda nos reinos estranhos e mais remotos de nossa conversação e uso tendes o mesmo nome e a mesma fama. Porém, como louvar vossos custumes seja cousa tamanha que enfraquece o engenho a quem se nisso mete, má desculpa teria se quisesse prosseguir matéria tão alta e perder-me no começo, mas a obrigação em que estou a Vossa Alteza, por filha da rainha cristianíssima de França, vossa mai, de que já recebi mercês, me faz algum tanto passar os limites do que minha autoridad em tal caso pode ter e desejar fazer algum serviço a Vossa Alteza, tal que quando não corresponder a Vossa Grandeza, seja igoal ao qu´eu posso.
Eu me achei em França os dias passados em serviço de dom Francisco de Noronha, embaixador d´El-Rei, nosso senhor, vosso irmão, que santa glória haja, onde li algũas crónicas francesas e ingresas. Antr´elas vi que as princesas e damas louvavam por estremo a de Dom Duardos,  que nestas partes anda trasladada em castelhano e estimada de muitos. Isto me  moveo ver se acharia outra antigualha que podesse tresladar, pera o que conversei Alber de Renes em Paris, famoso cronista deste tempo, em cujo poder achei algũas  memórias de nações estranhas, e antr´elas a Crónica de Palmeirim d´Inglaterra, filho de Dom Duardos, tão gastada da antiguedade de seu nacimento, que com assaz  trabalho a pude ler. Tresladei-a por me parecer que pola afeição de seu pai se estimaria em toda parte, e com desejo de a dirigir a Vossa Alteza, cousa que alguns hovieram por erro, afirmando que histórias vãs não hão de ter seu assento tão alto, fazendo da menor culpa maior inconviniente, não tendo respeito que às vezes escripturas de leve fundamento têm palavras, custumes e efectos de que nace algum fruito. Vai tresladada na verdade quanto às aventuras e acontecimentos. Se tiver algũa falta, será na composição das palavras, de que meu engenho carece. Traduzi-a  em português assi por me parecer que satisfaria vossa incrinação, como por não  ser dos que fazem o contrairo, querendo encobrir seus defeitos, tornando a culpa à rudeza de nossa língoa, que a meu juízo, polo que tenho visto, em copiosidade de palavras nenhũa da cristandade lhe faz vantage.
Se disto ou da obra alguns detractores mormurarem, não me queixarei. Queixem-se os sábios quando suas obras forem julgadas por pecos, que as minhas ninguém as pode tachar que as não entenda milhor qu´eu.
 

PARATEXTOS CÓLOFON

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[254v: cólofon] Foi impressa esta Crónica de Palmeirim de Inglaterra na mui nobre e sempre leal cidade de Évora, em casa de André de Burgos, impressor e cavaleiro da casa do Cardeal-Ifante.
Acabou-se a 25 dias do mês de junho, ano do nacimento de nosso señor Jesucristo de 1567.

 

COMPOSIÇÕES POÉTICAS

 

[135v] Triste vida se me ordena,
pois quer vossa condição
que os males que dais por pena
me fiquem por galardão!

Desprezos e esquecimento,
quem contra eles se defende
não os sinte ou não entende
onde chega seu tormento,
mas pera quem sinte a pena,
inda é mor a sem-rezão
quererdes que o c´a morte ordena
se tome por galardão.

Já se vos vira contente
deste mal e outro maior,
sei que me ensinará amor
a passá-lo levemente;
mas pois vossa condição
quer que em tudo sinta pena,
quero eu que o qu´ela ordena
me fique por galardão.

 

CARTAS

 

[220v/a] Carta de Floramão:

Quem recear vossos males vir-lhe-á de não ser para tanto bem como é tê-los de vós, pois o contentamento de os padecer por vossa causa faz ter em pouco algum dano se deles vem. Mas a quem faleceo a esperança, que lhos ajudava a passar, que lhe ficará para poder viver se não o gosto de perder tudo por vós? Este só remédio me deixou minha ventura para poder soster minha pena, que, se o não tivera, mal se poderá passar. Se lá onde vós estais, se costuma agradecer-se esta fé, mostrai-o em favorecer minhas obras quando em vosso serviço as virdes, que eu, de desesperado de outra satisfação, desta só me contento; ou dai fim à minha vida para poder ir onde com vos ver descanse do cuidado que vossa lembrança me deixou.

PROFECIAS

 

[9r/a] Carta da Dona do Lago das Três Fadas.

A ti, ó invencível e mui famoso Palmeirim, emperador de Grécia, eu, a Dona do Lago das Três Fadas, te digo que o donzel que hoje te foi trazido d´ambas as partes decende do sangue dos mais poderosos reis cristãos; trata-o como a grã príncipe, porque no tempo que tua coroa e real estado será posta no mais baxo assento da Fortuna, o tornará em mais alta grandeza do que nunca foi; e por ele serão restituídos em toda alegria os dous mais afortunados príncipes que agora estão sem ela.