AC 3-4. LISBOA. ANTT: MS. DA LIVRARIA, 1143

PARATEXTOS FRONTISPÍCIO

 

[{1r}] Quarta Parte da Argonáutica e Cavaleria em que se dão fim às grandes espantozas guerras que os príncepes do Poente faziam ao grande império grego e proseguem as  grandes e maravilhozas proezas do grão Leomundo de Grécia. E de como por ũa estranha aventura desapareseo do seo arraial a grão Princeza de Espanha e do luguar onde foi ter, e de como foi livre por este felesíssimo Príncepe, estranhas e já nunca vistas batalhas que sobre a livrar pasou; e da rezão do grande e poderozo estado do grão Tamumberque, terror e espanto do mundo, recontros que os príncepes ponentinos em seu império tiveram, piadoza e enfilize morte do príncepe Lindores, seu filho, princípio da estranha e cruel guerra que contra Grécia cometeo, fim dos gloriozos amores dos príncepes de Grécia e cavaleiros, segundo o escreveram, na línguoa grega, o grande e famozo Arideo, na latina o grande poeta Protino, em a nossa portugueza.

 

PARATEXTOS CÓLOFON

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[167v/b] Este serviço que, inda que falto daquele ornato e polido estilo que houvera de ter, mas como for de Vossa Excelência favoresido, ficará sempre seguro daqueles que o devem ter por sobejo atrevimento.

 

COMPOSIÇÕES POÉTICAS

 

III PARTE

 

[2r] Não perca a esperança em seu cuidado
O que tem por Amor já merecido,
que quando mais queixosso e mais perdido
viva a ser mais contente e envejado.

O que mereces, humilde e disfraçado,
nunca da sorte e Amor fica esquesido,
que o meo de ficar alto e sobido
é saber homem de um baixo estado.

Faça o tempo e a sorte mil mudanças,
reprezente imposibles cada dia,
tire, destrua, abata confianças,

que o que segue o querer com ouzadia
vai melhorando sempre as esperanças
até que em tantos anos venha um dia.

 

 

[3r/b] Quando a vida se contenta
é porque aquele que aguoza
folga de a ter ossioza
e a sorte não exprimenta.


[3r/b] Amor que enganozamente
promete o que há de neguar
com rezão se há de tratar
como homissida insolente.

 

 

[31r/a] ¿Qué nueva tempestad, qué trovellino
de enredos levantaste, amor tirano,
buscando entre mi zeloza mano
como si no bastara mi destino?

A mi desdicha tu crueldad previno
y ansí pervine mi defença em vano,
que opuestas fe y amor a un pecho insano
si no pierden valor, pierden el tino.

Si a paso llano, amor, ivas matando
y eran verdugo desabridos años,
¿para qué tanta prisa y tal violencia?

Si no es que mayor gloria muestras cuando
hazes que a quien matavan desengaños
pueda también morir por competencia.

 

 

[36v] Oitavas

Já vai mostrando a nova claridade
um leve engano a minha fantezia.
Já tenho de queixar-me, liberdade,
uzando dos remédios que temia.
Ai, limitados bens!, ¿com que vontade
me fiarei de vosa companhia
se estaes tão arriscados neste peito
como eu das vosas sombras satisfeito?

Já meu querer está mais conhesido,
mas com nenhũas mostras de esperança
pelos sinaes de sorte estou perdido,
que do paçado mal vive a lembrança.
Morrer nas suas mãos não no dovido
se executar quizer meu bem vingança.
Porém, al não seja de tal sorte,
que um desterro me dê antes que a morte.

Deixou-me, Amor, guozar na vida escasa
o bem que só sustenta minha vida,
que se com outros males me ameasa,
outro não temo mais que ũa partida;
nos sentidos se vingue e satisfaça
em prezença da glória tão sobida,
que nada hei de temer a vista dela
e a vida perderei se hei de perdê-la.

 

 

[52r/b] Romance

Já vai descobrindo a sorte
as sombras que me esconderam
em confuzão de cuidados
com abismo de receos.

E ainda que minha esperança
está nos ramos primeiros
tão encolhida e murchada
como colhida sem tempo,

tem luguar minha afeição
de mostrar muitos estremos
a quem nem deles se obrigua
nem de ver que não me queixo.

Se deixar-me padeser
me deixou para remédio,
nasido da crueldade,
buscado pelo dezejo,

se atrás de tantos cuidados
me andemar, isso quero,
¿mas quem tirará tal vida
do luguar donde a sustento?

Sem uns olhos está posta,
devinos pelo sugeito,
ditozos pelo luguar,
poderozos por si mesmos,

¿quem se atreverá sem eles
quando eu apenas me atrevo
a proseguir seus louvores
53r em tão limitados versos?

 

 

[52v/b] Cansão

Venturozo cuidado
o que desconhecido
vem a ser estimado
ganhando-se com ele mais perdido,
que na defeculdade
abre caminho a sua liberdade.

Não há maior ventura
que a que, desconhecida,
coando menos segura,
então dá segurança, gosto e vida,
que quando não se aguarda
então se estima o bem depois que tarda.

Quem loguo desconfia
sem rezão se lamenta,
porque a sorte varia.
Aguora desgostos e tormenta
e em espaço breve
tem mais luguar os bens do que o mal teve.
Celebre justamente
dos males a mudança
o que tão diferente
53v em seo momento vê a sua esperança,
ele muda nũa ora
a um estranho ser qual nunqua fora.

 

 

[64v/b] Nos estremos de valor
fostes quanto se procura,
mas o fim desta aventura
perdeis por falta de Amor.

 

 

[65r/a] Quando mais desesperado
se deve estimar a vida,
porque quando mais perdida
nas mãos de Amor é ganhada.


[65r/b] Em mal já desesperado
nenhum remédio se alcança
da vida nem da mudança.

 

 

[65v/a] Quem se obrigou da mudança,
que espera de sua impreza,
pois somente firmeza,
se a segura, ele descança?

 

 

[66v/a] Para me poder vencer,
nem me obriguo nem me temo,
senão de maior estremo.

 

 

[67r/a] Se por amor se aventura
a glória desta aventura.

 

 

[67v/b] Nosso Amor diz a Fortuna
que busquemos
por fugir a seus estremos.

 

 

[71v/b] Oitavas

Em a ventura alhea confiado
espero ver o bem que não se alcança
e temo, por ser meu este cuidado,
que inda se vingue a sorte da esperança.
Por ver somente noutro estou trocado,
se se trocar a sorte na mudança,
mas, se se trocase esta glória, já parece
que com me ver nem sombra me conhece.

D´outra que não tem mais que a vista pura
envejo a vida com o contentamento,
que até isto negou minha ventura
para dobrar a cauza a meu tormento.
Asi não tardeis, devina fermozura,
não me mate primeiro o sentimento
que eu veja o novo rostro claro e belo,
pois mudei próprio ser por poder vê-lo.

 

 

IV PARTE 

 

[81r/a] Prezo está da sua mão
o que o engano traçou,
que nesta rede o deixou
a Vingança e a Rezão.

 

 

[96r/b] Se a Vénus tanto excedeis
no poder e fermozura,
quem me igoala na ventura?

 

 

[96v/b] Com suave melodia
suspende aos condenados,
porém, não a meus cuidados.

 

[96v/b] Asim como nunqua alcança
Sísifo a fim ao dezejo,
asim no princípio vejo
de novo minha esperança.

 

[96v/b] Nas do corpo se sustenta
esta ave com dor mortal,
mas passa avante o meu mal,
que corpo e alma atormenta.

 

 

[98v/b] Quando mais perdida, cobrada.

 

 

[97r/a] Sobe esta a mor altura,
e dele sempre voltando,
porém, a roda em que ando
volta só na desventura.

 

[97r/a] Nem a vista deste mal,
que consumir-me procura,
perde sua fermozura,
nem muda o seu natural.

 

 

[99r/b] O bem, quanto mais custozo,
Deve de ser mais estimado
e deve dar mor cuidado
o que está mais periguozo.

 

 

[102r/a] Da beleza destas flores
não se pode esperar muito
quando tem penas por fruito.


[102r/a] Minha voltaria esperança
me foi deixar no melhor;
por isso mudei a cor
e eu com ela a confiança.

 

 

[102v/a] Remédio contra os sentidos
pera todos poder haver,
mas em mi não pode ser.

 

 

[103r/a] Neste campo o sol padeçe | Afrontas e disfauores | que nos outros cria flores | porem neste se escurese.

 

 

[103v/b] Muito bem vejo o periguo
e o bem tão cobiçozo,
que me parece fermozo
o riguor deste inimiguo.

 

 

[125r/a] Soneto

Memória que de um bem fazes lembrança
que agora em sombras vivas me atromenta,
se em voz minha esperança se sostenta,
com que enguanareis já minha esperança?

Devina Rosilea, em quem descança
meu mal, por que meu dano me contenta?
Como aguora estareis de todo izenta
de quem nem com os suspiros voz alcança?

Ditouzo o roubador de tal tizouro,
desgraciado o mízero e captivo,
despidido de vós, triste Linterno.

Aonde estais, glória minha, por quem morro?
Que enquanto nesta pena sem vós vivo,
será meu coração penozo inferno.

 

 

[130r/b] Letra

Não se atreve contra o sol
qualquer ave alevantada
que perdem a luz a vista
quoando procura gozá-la.

Só a águia, d´antre todas,
vence aquela luz que abraza.
Donde as mais têm o periguo
ela só vive e descança.

O sol de tal fermozura
com tantos raios de graça,
que assendem mil pensamentos
e que a todos desenganam.

Quem será tão atrevido
que com contrafeitas azas,
com olhos sobejos e humildes
quera, atrevendo-se, olhá-la?

Bem sei que é serto perder-me,
mas é tão suave a cauza
que  pera perder a vista
só olhar para ela basta.

Mal teme essa fermozura
e esta minha confiança,
que se dá vida enganando,
também por enganos mata.

 

 

[148v] Da potência e do valor,
da rezão e da ventura,
da graça, da fermozura,
de tudo triunfa Amor.

 

 

[149r] É tão grande o seu poder
que indo a tão alta impreza
para fazer nela preza
chegou vencido a morrer.

 

CARTAS

 

III PARTE 

 

[17r/b] Carta

[17v/a] Rosilea, prinzesa de Espanha, ao pastor, saúde.

Ainda que dizcuidos mereçam mais castiguos que lembranças, devo tanto a quem sou que, por não faltar a fé que prometi, me esqueso das ofenzas com que me vejo. Não dizem bem com cuidados memórias esquesidas. Nem de Linterno cuidei nunqua lhes faltasse as daquele tempo em que soube ser milhor amante que pastor. Em Grécia fico e dezejoza de te ver se agradece esta vontade. Confese-te quem sem ti tudo me canza e con Linterno tudo me parece bem.

 

 

[18r/a] Carta.

Russilea, prinzessa de Espanha, ao pastor, saúde:

Ainda que discuidos mereção mais castiguos que lembranças, devo tanto a quem sou que por não faltar a fé que prometi, me esqueso das ofenzas com que me vejo. Não dizem bem com cuidados memórias esquesidas, nem de Linterno cuidei nunqua lhe faltasse as daquele tempo em que soube ser milhor amante que pastor. Em Grécia fico e desejoza de te ver, e se agradeces esta vontade confese-te quem sem ti tudo me cauza e com Linterno tudo me parece bem.

 

 

[53v/b] Filha, damos graças aquela devina providência que com tão pouco custo nosso ordenou que os príncepes de Grécia na força de sua justa vingança pudecem mostrar a clemência de sua grandeza. E porque o estado dessas princezas deu de lastimar e não pouco os ânimos generozos, folguaríamos que condoendo-vos de seu suceço as regualeis e fizesses tudo pelas servir, e no fim, pondo-as em liberdade as mandéseis ao seu arraial com aquele acompanhamento e grandeza que da vossa se deve esperar, para que desta maneira satisfaçamos ao que devemos, mostrando com testemunho de nossa grandeza que na força da guerra não perdemos o respeito que se deve a suas pessoas, rematando 54r com ũa glorioza vitória, que é o que nela buscamos e pretendemos.

 

PROFECIAS

 

III PARTE

 

[6r/b] Aqui padesse Belizandra, princeza universal da grão Turquia, o bem que quis a quem pela princeza dos gregos engeitou o seu amor, pelo que nenhum seja tão ouzado que daqui a queira tirar, salvo se confiado em seu esforso e valor tiver poder para librar de quem por lhe dar a vida a meteo neste luguar de seu tormento.

 

 

IV PARTE