Última atualização: 24/01/2020 - 06:00

MEMORIAL DAS PROEZAS

MEMORIAL DAS PROEZAS

AUTOR

JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS

EDIÇÕES

MPSTR. Coimbra, João de Barreira, 1567

ANO EDIÇÃO

1567

EDITOR

João de Barreira. 

Trabalhou como impressor do rei e para a Universidade de Coimbra. Laboralmente, mexeu-se entre Coimbra, Lisboa e Braga. Nas suas obras só fez uso de caracteres góticos. De acordo com Martins de Carvalho , João de Barreira desenvolveu a sua actividade tipográfica, junto de João Álvares, de 1548 a 1586. Há notícias de que trabalhou até 1594.

PARATEXTOS FRONTISPÍCIO

frontispicios-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda.
Ao muito alto e muito poderoso rei dom Sebastião, primeiro deste nome em Portugal, nosso senhor.
Em Coimbra, em casa de João de Barreira, ano 1567.

ÍNDICE DE CAPÍTULOS

indice-capitulos-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

[{4r-4v}: tavoada de capítulos] TAVOADA DOS CAPI- ׀ tolos do preſente Liuro. […]. Fim da Tauoada.

Capítulo I. Como teve princípio a Ordem de Cavalaria.

Capítulo II. Como el-Rei Artur foi traído por Morderet, seu filho.

Capítulo III. Da batalha que el-Rei Artur teve com Morderet, seu filho.

Capítulo IV. Como Sagramor foi levantado por rei e vencedor.

Capítulo V. Do que ordenaram os filhos de Morderet, sabida sua morte.

Capítulo VI. Como el-Rei Sagramor armou cavaleiro um donzel que veio à corte.

Capítulo VII. De uma aventura que veio a Londres, a que foi Fidonflor de Mares.

Capítulo VIII. De um mouro espanhol que veio à corte desafiar os cavaleiros da Távola Redonda.

Capítulo IX. Como o cavaleiro das armas cristalinas matou o gigante do castelo da estranha Torre.

Capítulo X. Em que o mouro espanhol acabou seu conto.

Capítulo XI. Como o cavaleiro das armas cristalinas topou com uma donzela que o guiou a seu fado.

Capítulo XII. De uma dona que veio à corte pedir socorro a el-Rei Sagramor.

Capítulo XIII. Como o cavaleiro das armas cristalinas, indo por mar, chegou à ilha Córsega e o que nela passou.

Capítulo XIV. Do que passou no castelo da estranha torre, mandando el-Rei tomar posse dele.

Capítulo XV. Do cabo que o cavaleiro das armas cristalinas deu à aventura que achou na Ilha Córsega.

Capítulo XVI. Como Muleizidão, Miramolim de África, determinou conquistar França, induzido por Godifert.

Capítulo XVII. De quem era o sábio Telorique e o princípio de Florismarte do Lago.

Capítulo XVIII. Como o cavaleiro das armas cristalinas se desviou de sua jornada e o que lhe aconteceu.

Capítulo XIX. Em que se conta a destruição del-Rei das ilhas Bem Afortunadas.

Capítulo XX. Como Arisbes negociou em França e o que fez o Miramolim com seu recado.

Capítulo XXI. Como Doristão Dautarixa, a requerimento de uma donzela, socorreu outra.

Capítulo XXII. Do que aqueceu aos Gémeos que partiram de Londres por se verem com o cavaleiro das armas cristalinas.

Capítulo XXIII. Como Padragonte de Suz foi à Espanha e o que nela lhe sucedeu.

Capítulo XXIV. Como o cavaleiro das armas cristalinas salvou de morte Belfloris, com ajuda de Florisbel.

Capítulo XXV. Do socorro que el-Rei Sagramor deu à rainha Drusianda.

Capítulo XXVI. Do que aqueceu a Deifilos de Xatra e Pinaflor.

Capítulo XXVII. Do que aconteceu a Fidonflor de Mares indo na rota da ilha Gócia.

Capítulo XXVIII. Do que passou em sua viagem Leonces de Renel.

Capítulo XXIX. Como Padragonte de Suz matou os irmãos da ponte do Sacrifício.

Capítulo XXX. Como Florisbel determinou ir-se a Inglaterra com Belfloris, por conselho do cavaleiro das armas cristalinas.

Capítulo XXXI. Como Doristão Dautarixa chegou à torre de Laudisea.

Capítulo XXXII. Do que sucedeu a dom Brisão de Lorges com a donzela Floresinda.

Capítulo XXXIII. Como Fidonflor, indo à ilha Gócia Oriental, achou dous Donzéis e o que com eles passou.

Capítulo XXXIV. Como Deifilos de Xatra e Pinaflor livraram o príncipe Aristandor.

Capítulo XXXV. De como o cavaleiro das armas cristalinas foi à gruta do Centauro.

Capítulo XXXVI. Da afronta em que se dom Brisão de Lorges viu em Damasco por causa de sua amiga.

Capítulo XXXVII. Da batalha que Doristão Dautarixa teve com Astribónio, duque de Milão, ante Laudisea.

Capítulo XXXVIII. De como o cavaleiro das armas cristalinas foi informado do gigante Argançom.

Capítulo XXXIX. Como dom Brisão de Lorges foi a Damasco.

Capítulo XL. Como Masília se veio com Laudisea à corte del-Rei Sagramor e o que lhes aqueceu no caminho.

Capítulo XLI. Do que passava na corte del-Rei Sagramor.

Capítulo XLII. Como o cavaleiro das armas cristalinas desencantou Celidónia.

Capítulo XLIII. Em que Corisanda conta a obrigação que os donzéis têm de seus avós.

Capítulo XLIV. Das festas que se fizeram na corte del-Rei Sagramor, por as bodas de Doristão Dautarixa.

Capítulo XLV. Das justas que fez o Cavaleiro do Centauro na corte.

Capítulo XLVI. De uma maravilhosa aventura que veio na corte.

Capítulo XLVII. Do torneio que fez o esclarecido Príncipe em idade de quinze anos.

Capítulo XLVIII. Do remate destas festas.

Fim da Tauoada.

PARATEXTOS PRÓLOGOS

prologos-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

[{2r-3v}: prólogo a El-Rei]

Prólogo a El-Rei, nosso senhor.

Quanto ao cabo o tempo tem seu curso, muito alto e muito poderoso Rei e senhor nosso, vê-se claro no fastio que mostra das cousas que já aprovou, como seja de velhos certo termo aborrecer os exercícios de mancebos. Não cuido, porém, que haja algum tão pertinaz e inimigo da razão que negue a valia dos feitos heróicos e o preço devido à boa memória, a qual sempre fortificou e produziu novos impérios, o que, assim entendido de Temístocles, capitão ateniense, por muitas noites foi visto passear nas praças de Atenas, sem repouso. E perguntado por que não dormia, respondeu que o desvelavam os triunfos de Melcíades. A este mesmo fim, dizia Cipião, que se lhe acendia o ânimo em belicosa virtude olhando as estátuas dos passados. Júlio César, timbre de imperadores, vendo pintado Alexandre Magno, suspirou com inveja de este acabar a conquista do Universo e apossar-se da monarquia na idade em que ele a pretendia com os desejos somente. E daqui veio aos pôr em efeito, donde parece quanto semelhantes exemplos comovem e incitam a imitá-los aqueles que os contemplam e sentem. E se os estranhos esta força têm, de necessidade os naturais terão muito maior jurisdição.
Cosiderando, pois, eu no esclarecido Príncipe, vosso padre, que está em glória, coluna que sustinha as esperanças destes reinos e nos prometia de si o efeito, muito além do cuidado, por quem, com muita razão, todos suspiramos, cá nos fora norte e claro exemplo de imitação; e que sendo a Suma Providência servida de levá-lo para si em flor, em penhor dele nos deu mais miraculosa que naturalmente Vossa Alteza, de que fados nos prometem gloriosas e extremadas empresas, pareceu-me de obrigação e necessidade trazer à luz o torneio e mostra que nos dele ficou, para que como os que o tratámos temos na memória viva dor de tal perda; os que o não alcançaram, participem desta mágoa; e para Vossa Alteza seja o ABC e princípio de suas heróicas obras; e juntamente cumpro com o que por ele em vida me foi mandado, o que me pode ser desculpa e ante Vossa Alteza ser aceite e respeitando o enxerir e encastoar o diamante desta escritura em um engaste de pau, se o parecer, o da história que com ela apresento, ao esclarecido Príncipe já apresentada. Porque como por si a ciência seja uma cousa singular, a que Juvenal chama vencedora da fortuna, Aristóteles nenhum género dela estima ser mais excelente que a que ensina fazer um bom Príncipe; esta pediu Salomão por companheira de seu real trono; esta, falando de si mesma, diz: «Por mim governam os príncipes». A qual, sendo um conhecimento de cousas divinas e humanas, a príncipes sobre todos necessário, que não se alcança salvo lendo e vendo muito, parece não lhe fazer pequeño serviço quem com próprio trabalho extrema e escolhe, dentre os Caos das ciências, os elementos e flores da mais necessária e própria a seus reais espíritos que, tomados da ocupação de suas obrigações, não têm espaço para por si fazerem a tal escolha. Terá a Vossa Alteza, doutros que receberam mais talentos, maior logro. Eu, seguindo o costume dos persas, que não se apresentavam ante a Majestade Real sem oferenda, à qual o Sumo Príncipe Cristo, nosso autor, confirmou ser devida, em reconhecimento da natural servidão, querendo pagar o foro de meu labor e trabalho, achei a matéria heróica mais apropriada a todo real engenho, por nela se tratar qual deve ser o varão por fama conhecido sobre as estrelas, segundo Homero e Vergílio altamente o pintaram em seus poemas, aos quais os nossos modernos imitaram com não menos artifício, quando não estilo, nas Histórias d´El-Rei Artur, de Amadis de Gaula e muitas outras semelhantes, as quais, muito sem causa, são julgadas por vãs e sem fruto –opinião leve e vulgarmente concebida-, ca, se cremos a Horácio, aquele tomou a palha que misturou o proveitoso com o doce.
Claro está, pois, com quanta melodia nas tais heróicas escrituras se trata o bom da paz, o necessário da guerra, a virtude de uns, a malícia de outros, finalmente, desta vida, no curso tão diferentes quanto no remate conforme. E assim se diz de santos e graves doutores, colunas da militante igreja, que não somente as leram e se ajustaram de suas flores enxeridas em sua sagrada doutrina, mas fizeram dignos de suas lágrimas os tais fingimentos, dado que vãos, com cuja autoridade tomei esta árdua empresa, com entender que me ofereço a muita repreensão portuguesa e cortesã, cada uma assaz áspera e para temer muito e que tem de costume, e não de boa consideração, acanhar os naturais, o que realmente mais parece fraqueza de engenho e condição desconfiada que subtileza de espíritos, nem suficiência.
Como eu, porém, não pretendo louvor próprio, satisfaço-me com a minha tenção e, juntamente, me lembra o que, nesta parte, São Jerónimo padeceu, pois em sua defensão diz que, chamando alguns a Vergílio compilador de cousas velhas, por tresladar de grego em latim certos versos de Homero, respondeu: «Furtar de grandes varões é tirar a maçã da mão de Hércules». E Túlio também foi notado destes furtos, nem houve escritor que carecesse de seu Zoilo repreensor. Assim que, onde os tais se queixam, que posso eu padecer menos, antes mais e com razão, por o que não me desculpo dos erros e atrevimentos de que nesta trasladação do Triunfo d´El-Rei Sagramor, posso ser repreendido. Nem os nego nem também confesso não ser de muita estima todo poema bem composto e serem sempre lidos e estimados dos doutos e nobres, e um rascunho de animosos e discretos espíritos.
Seja, portanto, fastio da velhice do mundo, e não al, o desaprovar o que os nossos passados aprovaram. E Vossa Alteza aceite a tenção fundada em seu serviço, como Artaxerxes aceitou água das mãos do simples lavrador, já que esta esperança de sua grandeza e real humanidade me fez atrevido e minha sorte foreiro.

PARATEXTOS DEDICATÓRIA

Ao muito alto e muito poderoso rei dom Sebastião, primeiro deste nome em Portugal, nosso senhor.

PARATEXTOS CÓLOFON

colofon-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

[240v: cólofon]

Acabou-se aos 12 dias do mês de Novembro. Ano 1567.
Laus Deo.

PARATEXTOS OUTROS

outros-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

FÉ DE GRALHAS

[240v: fé de gralhas] Alguns erros leves que escaparam na impressão deste libro pera com mais facilidade os emendarem se põe aqui.
Entender-se-á por .f. folha, por .r. regra, por.l. lease, por .v.volta da folha.
Folha .1. reg. 20. diuido, lea diuida.
Folha. 7. teg. 23. calhera, lea carreta, na volta, reg. 22. fauoreste. l. fauoreceste.
Folha. 20. reg. 18. sem fim por. l. sem por fim.
Folha. 22. reg.23. debraçouse.l. debruçouse
Folha. 26 reg. 30. treze .l. quinze,
Folha. 28. reg. 4. cados.l. ca ho dos
Folha.50.reg.22. em lançando.l. enlazando
Folha. 55.v. reg. 16. esguarando.l. esgarrãdo.
Folha. 56. v. reg. 25. animoso. l. mimoso, &.reg.30. que lo .l. que lho,
Folha. 61. reg.3. do capitolo, funida muyto .l. fundamento.
Folha. 64. reg. 13; sem ellas .l. se nellas
Folha. 75. reg. 19. douro que .l. doura das que
Folha. 70.v.reg. 13. os abraçou .l. os abrazou
Folha. 102. reg. 3. soffrese .l. se soffresse
Folha. 107. reg. 2. desperar. l. desesperar
Folha. 111.v.reg. 26 amolhandolhe. l. amolandolhe.&.reg. 27. com ho açoyte .l. como açoute
Folha. 115. reg. 15. como veyo .l. cõmoueo
Folha. 116. regra viti ma, seu te tempo .l. te seu tempo
Folha. 121 .v. reg.8. cornena .l. corneta
Folha. 122 .v. reg. 29. Antaco .l. Anteo
Folha. 123. reg. 10. resedia .l. resestia
Folha. 124 .v. reg. 17. sobeja, que ho mal
Folha. 130 .v.reg. vltima, hum puro .l. hum puro Christão
Folha. 138 .reg.1. cuydo .l. não cuydou, & .l.3. ouintem. l. ouuirem.
Folha. 255. l. 26. chama.l. chamaua, & reg. 21. lepuseua .l. le puseua.
Folha. 243. no romance .v. regra.25. elle a sama.l. elle a faria
Folha. 144. v. reg. 17. caucosa .l. ca cousa.
Folha. 180. reg. 30. risco, lea riso, & na volta. reg. 9. contra espessa, lea contra hũa espessa, & regra. 22. foy tambem, lea foy por tambem, & regra, 23. tiroulhe, lea viroulhe,
Folha. 283. regra.5. deuia fazer, lea deuia por fazer.

 

COMPOSIÇÕES POÉTICAS

composicoes-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

[21v/a] Naquela montanha Idea,
que Afrodísia frequentava,
Paris aquele pastor,
a quem Enone amava,
com ela de companhia
as feras bravas caçava,
as aves de mil maneiras
armando laços tomava.
Antre murteiras nos braços
da Ninfa a sesta passava,
donde ter-lhe eterno amor
muitas vezes lhe jurava,
e de tê-la por senhora
consigo se vangloriava
aquele que por ser justo
de Hera os touros coroava.
Embaixada do Tronante
Mercúrio lhe apresentava
pera julgar antre as Deosas
que a discórdia baralhava,
e de cada ũa delas
promessas lhe apresentava:
riqueza ũa, outra vitória,
Vénus fermosura dava.
[21v/b] O justo pastor se incrina
ao que os olhos contentava,
e quer ver nuas as deosas,
que nada ver lhe estorvava.
O desenho temerário,
que tal perigo intentava,
com razão e com desejo
por Citerea julgava,
e a deosa, satisfeita,
da palabra penhorava.
Enlevado na esperança,
Enone ja desprezava,
lágrimas por seu amor
em satisfação lhe dava;
o seu descanso amoroso
por trabalhos o trocava.
Vénus cumpre sua promessa,
fortuna Enone vingava
com a fermosa greciana
a toda Tróia abrasava.
E não lhe valeo Casandra,
que furiosa o gritava,
que estes são os galardões
que amor vingativo dava.

 

 

[22r] A fonte de fermosura,
que nesta torre se encerra,
contra amor sostenta guerra.

 

 

[30v/a] Amor que contra mim conjuraste,
já que me assi roubaste
o meu coração, dantes livre, isento,
esperança me dá sequer do tempo,
mostra-me onde o levaste;
se me ordenas a morte, eu a consento,
ca não quero eu mais vida
que por ela há poder, se ela é servida.

Mas quem será, senhora, tão ditoso,
ou tão presuntuoso,
que esperasse de vós sequer a morte?
Se cuidasse algũa hora ter tal sorte
não seria queixoso,
mas em poupar a vida muito forte
por chegar a aquela hora
de meu sacrifício por vós, senhora.

[30v/b] Com vosso resprandor a alma abrasastes,
sobr´isto inda cuidastes,
qu´era pouco o tormento deste ardor,
lágrimas de tristeza e grande dor,
indo-vos me leixastes;
mata-me, saudade, e mata amor,
hora havei de mim dó;
de duas mortes mouro, basta ũa só.

Contra este fogo que me lavra o peito,
as lágrimas que deito
dos olhos que vos viram e não vê,
que não consuma a alma me detém:
faz-me o dano proveito
na saudade vida me sostém,
de ũa dor outra pode,
no que ũa me contenta, outra me ofende

[31r/a] E se este meu martírio vos contenta,
pera que logo o senta
não m´escondais, senhora, aquela imagem,
porque fouto farei minha viagem
onde Orfeo, mui isenta,
est´alma de no amor lhe ter vantagem
na boa ventura si,
qu´esta logo a perdi como não vi.

[31r/b] Não me queixo eu de vós, senhora minha,
que vos fostes asinha,
não sou dino de vós, eu o conheço,
queixo-m´eu deste amor, porque padeço,
e em vossos olhos vinha;
sou despojo de quem eu não mereço,
se merecê-lo posso,
venham todos os males, seja eu vosso.

 

 

[34v/a] Com lágrimas e soluços
dos braços de Laudomia,
Com dor que a alma lhe arranca
Protesilao se espedia.
A triste, por entretê-lo,
tais palavras lhe dezia:
«Prometei-me, meu amor»,
e aqui se lhe esmorecia.
Apretando-se com ele,
acordando estremecia,
e tornava-lhe: «Amor meu,
isto pedir-vos queria:
Dize-me que vão mil naos
nesta vossa companhia.
A derradeira de todas
seja a vossa nesta via,
e não sejaes o primeiro
que a praia tome à profia;
que ouço dizer d´um Hector
que toda Grécia temia,
e cuidar somente nele
todo o corpo se me esfria.
Mando-vos, se mandar posso,
peço, se tenho valia,
que dele vos desvieis
à conta de Laudomia.
[34v/b] Peleje lá Menelao,
que vingar-se pretendia;
a vós lembre-vos somente
tornar a quem vos queria.
De vós e de mim cuidado
trazei sempre em fantesia.
E a vossa vida vos lembro,
que a minha só consestia,
pois sem falta, se morrerdes,
não vivirei um só dia».
Protesilao, em ouvi-la,
a alma se lhe enternecia,
solta-se dela chorando,
que nem falar lhe podia.
Embarcando-se com pressa,
as velas já deferia,
com olhos o vai seguindo
quanto pode Laudomia.
Perdendo a vista no mar,
com sospiros o seguia;
enlevada em saudade,
mal come, peor dormia;
chorando passava os dias,
as noutes se adormecia.
Protesileo, como morto,
em sonhos lhe aparecia.
[35r/a] Com desejos de tornar
aos olhos de Laudomia,
Com ânimo namorado,
primeiro em Tróia saía.
Com Hector fora encontrar-se
como quem nada temia;
leixou-lhe a vida nas mãos,
[35r/b] leixou-lhe a de Laudomia,
que trazendo-lhe o seu corpo,
sobr´ele morta caía,
porque amor puro e honesto
grandes estremos fazia.
Ditoso Protesilao,
que tal amor merecia.

 

 

[39r/a] De ti, casto Cipião,
Sofonisba ouvi queixar,
que foste imigo d´amor
por querer dela triunfar.
Na forte cidade Cirta,
Masenisa fora entrar
e, por teu mandado, Sifax
seu marido foi matar.
Com fúria e ódio imigo
nos seus paços fora dar,
mas n´amor força da fúria
amor o pode amansar;
dos encontros dos seus olhos
o seu coração domar,
de escrava feita senhora
de quem vinha captivar;
de eterno Amor dada fé,
as almas foram trocar.
[39r/b] Lágrimas e fermosura
tudo poderam acabar.
Sabido per Cipião,
que amor não pode abrasar,
com coração desumano,
com razões não de aceitar,
a Masenisa escrevia
que lha mandasse entregar,
porque era imiga de Roma,
da geração de Amilcar.
Em grande afronta se vê
Masenisa e grã pesar;
o coração não lhe leva
à Sofonisba faltar.
Cuidou um mui duro meio
pera haver de a libertar;
ũa copa de peçonha
lhe mandou apresentar.
[39v/a] Em lugar da liberdade,
que lhe não podia dar,
Sofonisba mui contente
a bebeo sem recear.
Sintindo somente a dor,
que se não pode escusar,
por amor de Masanisa,
[39v/b] que vive pera a passar.
Dizendo: «Por vós, Amor,
me quero sacrificar,
Não será d´outrem cativa
quem toda se vos quis dar.
Mal haja, fortuna imiga,
que tal amor foi cortar».

 

 

[58v/a] Não é pera caçadores
tão doce a calma decendo,
a fonte clara, em a vendo,
no prado verde com flores.

[58v/b] Quanto de Almina os amores
Florismarte n´alma sente,
nas glórias mais que contente
e satisfeito nas dores.

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[58v/a] Fez amor da sua glória
exempro eterno de nós,
e nos fados tal lei pôs
que fique eterna memória
de mi senhora e de vós.

[58v/b] De vós, que na fermosura

fostes estremo nacida,
de mi, estremo em ventura,
por lograr cousa tão pura,
que faz imortal a vida.

 

 

[131v] Tal é minha dor sem fim:
que desespero
quando descansar espero.

 

 

[143r/a] Diante os muros de Tróia
mui ufano passeava
Aquiles o mui soberbo,
que em seu peito a abrasava,
A fermosa Policena
antre as ameias estava,
e tal era a fermosura
com que delas se estremava,
[143r/b] que romper per antre nuves
a Aurora semelhava
O cruel imigo os olhos
a tal luz a levantava,
de seus raios traspasado,
dentro do peito se achava;
com a dor que n´alma sente
a falar-lhe se chegava,
[143v/a] mas a troiana princesa,
que em estremo o desamava,
recolheo-se com gemidos
que a deoses apresentava,
pedindo-lhes a vingança,
que ela tomar não bastava.
O cavaleiro indomável
tão preso e triste ficava,
que com suspiros ao céo
sua dor manifestava.
Já dantes a tinha visto,
quando ela Hector pranteava.
Des então do seu Amor
sua alma presa enxergava.
De como podesse havê-la
muitas contas só lançava.
Como agora Amor repouso,
nem sofrimento lhe dava.
Socorreo-se a esperança.
que a vida lhe sostentava
A Hécuba, sua madre,
tal mensagem ali mandava:
que, se quer ver Tróia livre,
Policena asegurava
que ele a fama descercar,
se por senhora lha dava.
Hécuba, que mais que a vida
[143v/b] vingar Hector desejava,
com Paris logo da morte
de Aquiles cruel tratava.
Respondeo-lhe que, se vissem
no templo em que Apolo estava,
recebera Policena
se a fé ant´ele lhe dava,
e de imigo será filho
se lhe Tróia descercava.
O triste amador, que a vida
nem cem vidas estimava,
a respeito do desejo
que Policena causava,
sem temor e sem receio,
sem cuidar que aventurava,
entregando-se à ventura
e Amor que o guiava,
sem cautela e sem conselho,
no templo de Apolo entrava.
De giolhos posto ant´ele,
muitas graças a amor dava.
Paris, que com arco armado
escondido o esperava,
fazendo votos a Apolo
se lhe a seta endereçava,
em o vendo de giolhos,
mui prestes nele encarava.
[144r/a] Pola pranta do seu pé
a vida lhe atravessava.
Cá é o triste namorado,
[144r/b] de quem tanto o dessamava.
Nesta vingança de Hector
toda Tróia se alegrava.

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[144r] Desfeita
Quem não vê vela do Amor
e se fia da esperança,
este galardão alcança.

[144r/a] O mor perigo da vida
é dar soltura à vontade,
à dor mais descomedida,
dar à prisão liberdade.
Amor não cumpre verdade
e tal galardão alcança
quem nele pôs a esperança.

[144r/b] Que seja dura é boa sorte;
morrer por Amor, peor
é ver aposar-se a morte
e roubar um doce amor.
Esta é das dores a dor,
que nenhũa outra alcança,
vai-se a alma tras a esperança.

 

 

[151r/a] Buscam as aves da serra
verde rama; assi Amor
no nobre coração faz o seu ninho,
natura que nada erra;
um sem outro não fez, ca mui vezinho
é de nobres espritos seu furor,
logo amar é nobreza,
um dom divido de naturaleza.

Deceo a fermosura
do céo alto, e Amor nela,
quão própria é do sol a claridade
[151r/b] vem do fogo a quentura;
amor de cousa bela
da nobreza gentil sua magestade
da nobreza carece
e gentileza que o não conhece.

Na pedra preciosa
influem sua vertude
as estrelas mediante o sol que as cria
n´alma nobre e fermosa
onde Amor sempre acude,
das ninfas o desejo se empremia;
[151v/a] Amor criador, vem
e faz deste desejo eterno bem.

Amor, antes rezão
clara, mais propriamente
juízo puro, bom conhecimento
[151v/b] da rara perfeição:
que do céo a quem sente
é já claro que traz seu nacimento
ser necessário à vida
como ao mundo o sol é, não se duvida.

 

 

[156r/a] No templo de Apolo, Aquiles,
desprovido namorado,
jaz morto n´alma, do pé
de ũa seta traspassado.
E não lhe valeo no mar
per Tétis ser encantado
aquele que dos Troianos
era temor e cuidado;
dos Gregos o defensor
pouca cinza ja tornado,
A pequena urna não enche
aquele grande esforçado;
contém de sobre suas armas
todo capitão notado,
a Telamão e a Ulisses,
todos o lugar tem dado.
[156r/b] Não nas leva o cavaleiro
e levou-as o avisado,
a Tróia é toda abrasada
o lião derrubado.
Querem-se partir os Gregos,
não fica Aquiles vingado,
da terra sae a sua sombra
e com o seu bulto airado,
como quando a Agamenão
tentou matar denodado,
«Querei-vos partir» -dizia-,
«grego exército malvado,
e fique eu na sepultura
sem vingança desonrrado?».
Pede Policena a alma
de Aquiles dela engeitado.
[156v/a] A hora Pirro, o Sorberbo
filho do pai, o traslado
dos braços da triste mai
que por todos tem chorado.
Traz Policena ao sepulcro
virgem d´ânimo estremado
e vendo Pirro, o Cruel,
contr´ela determinado,
com rosto seguro, honesto,
fermoso, mas descorado,
diz de rama o generoso
sangue real apurado:
«Farte-se a grega crueza,
cumpra-se meu triste fado,
seja meu pescoço ou peito
dessa espada traspassado.
Livre naceo Policena;
servir outrem não lhe hé dado.
Não será com minha morte
algum ídolo aplacado,
O coração só quisera
[156v/b] de minha mai esforçado.
O gosto da morte minha
esta dor mo tem tirado.
Deve chorar só sua vida
e invejar meu estado.
A filha do rei Príamo,
sobre os reis afortunado,
vos roga que à triste mai
seja seu corpo entregado,
não seja como o de Hector,
por ouro inda resgatado.
Contentai-vos que com lágrimas
a coitada o tem comprado.»
Isto disse e de um só golpe,
do cruel Pirro indomado,
o pescoço cristalino
do corpo lhe foi apartado.
De recolher, em caindo,
as fraldas teve cuidado,
por conservar o decoro,
nas virgens sempre estimado.

 

 

[199v/a] De Roma sae Pompeo
e toda Roma o seguia,
com temor de Júlio César,
que de França já partia.
O Robicão tem passado
contra Roma trás a via.
Apesar do bom Metelo
do tesouro se provia.
Após Pompeo se vai
e Pompeo, que o sabia,
em Brondúsio se faz forte
e dali per mar fugia,
desemparando a Itália,
defendê-la pretendia
de romanos e outra gente,
grande exército fazia.
A César dera batalha,
se o siguira vencia,
por arredá-lo do mar
fugirlhe César fingia.
Ser arte de capitão
Pompeo bem o entendia,
[199v/b] a César contra o que entende
e a seu pesar, seguia.
Já nos campos de Farsália
um contra o outro se via,
vendo-se chegado à suma,
Pompeo do que temia.
O grande senhorio
o conjugal amor cria,
que só Cornélia é a causa,
que reprime o que cumpria.
É-lhe forçado apartá-la,
dilata-o de dia em dia.
No seu leito sem repouso,
chorando, ca não dormia,
Cornélia tem a seu lado,
que animá-lo cometia.
De lágrimas suas faces
húmidas ali sentia.
Dessimula, ca não ousa
tomá-lo em tal agonia,
parecendo-lhe que o magno
Pompeo assi se abatia:
[200r/a] Ele, que a sente e entende,
taes palavras lhe dezia:
«Molher, que eu mais que a própria
vida, ditosa queria,
não esta, que me avorrece,
mas quando ledo vivia,
é vindo o tempo que eu, triste,
dilato, e já não podia,
ca César está no campo
e a batalha oferecia.
Cumpre dar lugar da guerra,
mandar-te a Lesbos queria,
o al tenho a mi negado,
não cures de mais profia.
Este nosso apartamento
por muito pouco seria;
do teu verdadeiro amor
confiança não teria,
se veres esta batalha
o coração to sofria.
Corro-me de estar contigo
quando a guerra assi fervia;
mais seguro é que de longe
ouças o que socedia.
Se me a Fortuna for falsa
e se me César vencio,
a melhor parte de mi [200r/b]
segurar sequer queria,
quero ter onde me ir possa
consolar minha agonia».
Cortada de mortal dor,
Cornélia, que lhe isto ouvia,
esforçando-se consigo,
a triste assi respondia:
«Dos deoses e da fortuna
já me queixar não podia,
pois per morte não me aparta
da conjugal companhia;
ser como vil engeitada
de ti, disto me sintia;
cuidares que algum lugar
sem ti me seguraria.
E queres, se fores morto,
que viva eu inda algum dia?
Já me ensinas a sofrer
dor que nem cuidar sofria».
A molher do grã Pompeo
esconder não se podia
donde, se desbaratado fores,
isto só pedia:
«Salva-te em toda outra parte
e de Lesbos te desvia».
Partindo-se dele à ora
um doutro não se espedia.
[201r/a] A Lesbos se foi Cornélia,
Pompeio logo a seguia.
Vencido vai de seu sogro,
[201r/b] tal Cornélia o recebia:
«Esta é a minha fortuna
que me inda segue» –dezia-.

 

 

[201r] Vossos Amores, senhora,
assi matam docemente,
que a morte não se sente.

[201r/a] Ó alta minha ventura,
eterno contentamento,
ser a vossa fermosura
glória deste meu tormento!

[201r/b] Ditoso meu pensamento
e a morte que se sente,
pois mataes tão docemente!

Por vos dar de mim vitória,
[201v/a] minha alma vos entreguei;
esperar tão grande glória
nunca de esperança ousei.

 

 

[201v/b] Vi mais do que cuidei,
morrendo tão docemente,
que a morte não se sente.

 

 

[206r] Se me enganei no que vejo
eu padeço o meu desejo.

 

 

[206v] Tal foi a minha ventura,
tal a vossa confiança.
Fica na morte esperança.

 

 

[207v] Tudo Amor dá, mas Fortuna,
de que suas sortes confia,
tolhe-me a que me devia.

 

 

[208v] O meu ser por vós, trocando
c´os olhos vos vou buscando.

 

 

[215v/a] Príncipes e Emperadores,
que o mundo a sabor mandais
e tão pouco vos lembrais
da rota da vida eterna,
a soberba que governa
vossos peitos desumanos
derruba os grandes tiranos
da mais alta monarquia.
Quem da fortuna se fia
não lhe sabe a condição,
soberba lançou Adão
do Paraíso deleitoso,
ficando vitorioso
do mundo o enganador.
Aquele edificador
de Babel que, em competência
da eterna suma potência,
[215v/b] presomio dela isentar-se,
caio por alevantar-se.
Após ele os socessores,
Assírios Emperadores,
que a Fortuna sublimou,
em breve os dessaposou.
Sardanapalo o sintio,
dos Medos também se vio
Astiages, que cuidava
que a seus fados atalhava
com mandar matar o neto.
Ciro, animoso e discreto,
que o despossou de seu estado
e foi o Império passado
aos Persas, onde o perdeo
Dario, que desconheceo
vossa humana condição,
[216r/a] e aquele filho de Amão,
que negou à natureza,
cuja soberba altiveza
teve em pouco e desprezou
o mundo que conquistou
sua cobiça atermada,
foi com morte antecipada
seu Império dividido.
César, não menos temido,
em confirmação deste erro
foi morto dos seus a ferro,
e todos quantos subiram
tiranamente caíram:
caio Tebas, caio Tróia,
Roma, que levou a bóia
a toda potência humana,
quando foi mais soberana
per si mesma se abateo,
que o mundo não concedeo
quer estado seguro.
Portanto, quem quer ter muro
inexpunhável e um forte
que não entre humana sorte
em Deos ponha a confiança,
o fundamento, a esperança
com verdade e com Amor,
donde tu, rei Sagramor,
[216r/b] no que hora vires, verás
exempro que tomarás
e te fique por aviso
que tudo o mundo é riso,
sem ter Deos por padroeiro,
guia e norte verdadeiro.
E verás um poderoso
rei prudente e justiçoso,
liberal, manso, benigno,
que em Deos tem posto seu tino,
Cristianíssimo, cremente,
nos desgostos paciente,
sesudo em prosperidade,
sofrido na adversidade,
de David claro traslado,
que, sendo de Deos tocado
per vezes, em seu louvor
converte sempre sua dor,
a paciência lhe sobeja
donde Fortuna de inveja;
quando mais contente o vio
e descuidado o sintio,
de si mesma a traição
pôs-lhe o reino em condição
de fazer termo mortal,
e acabar-se Portugal.
O bom rei, que assi o temia,
[216v/a] a seu Deos se convertia,
e com seu povo gemendo,
confiança nele tendo,
de um Fénix, que vivo ardendo,
logo outro Fénix naceo
per Deos a Portugal dado,
per ser mais exalçado
que Israel per Salamão,
taes pronósticos nos dão
as aspeitos celestiaes
e seus princípios reaes,
como foram trabalhosos
[216v/b] assi hão de ser famosos
os meios e fins da vida,
que longa lhe é concedida,
ca o que se dá sopesado
dos céos sempre foi estremado,
tão beninas as estrelas
lhe serão que suas velas
no mundo sejam espanto,
e ele outro Afonso Santo,
que o reino renovará
e os termos lhe aumentará
muito melhor do que eu canto.

 

 

[222v] Si l´error turasse´ alto non cheggio.

 

 

[223v] Puede esta librar del fuego,
que del cielo manda Dios,
y no puede a mí de vós.

 

 

[226v] Estes dous cavaleiros se perderam
do naufrágio de Eneas com mao tempo.
Abraços de ondas bravas se valeram
té que domou Neptuno o bravo vento.
Deste torneo as Ninfas fama deram,
que a servir-vos moveo seu pensamento.
Per mim Tritão, trombeta seu, Neptuno
vo-los manda apesar de Eolo e Juno.

 

 

[229r] Por la más alta hermosura
que la sierra
ha venido esta aventura
en esta tierra.

[229r/a] El cavallero novel,
que viene de Amor herido,
trae su mal tan escondido
que nadie no sabe d´él.

[229r/b] Más hermosa y más dura
que la sierra,
la que trujo esta aventura
en esta tierra.

 

 

[231v] Para sempre viver triste
sobejam-me as esperanças.

 

 

[235v] Corpo mortal e em tormento
imortal o pensamento.

 

 

[235v]
Epitáfio a Luís da Cunha

Macte vertute, puer animoso,
en águila por Júpiter robado,
cual ya fue Ganimedes el hermoso
para el cielo en estrella trasladado;
las Ninfas de Océano sin reposo,
[236r] encendidas de Amor, han despojado
nuestra patria de ti para ornamento,
honra y gloria de su vario elemento.

 

 

[237r/a] Soberbo está Portugal
em sua glória enlevado,
Vê-se de um rei sabedor
mimoso e bem governado.
O mundo tudo anda em guerras
injustas mui baralhado,
ele só estava em remanso
seguro e mui descansado,
plantando antre os infiéis
pendões do crucificado
per capitães animosos,
que os levam per seu mandado.
E como Deos de taes obras
[237r/b] folga ver-se penhorado,
c´os os olhos em Portugal
está sempre ocupado,
e como filho mimoso
de que não perde o cuidado,
porque não se ensoberbeça
em se ver tão prosperado.
Na força das suas glórias
no tempo mais festejado,
d´antre os olhos lhe tirava
o seu príncipe estremado.
Vendo no pai paciência
pera ser mais apurado,
[237v/a] dá graças ao Criador,
inda que desconsolado.
A menina que seu Amor
em flor assi vio cortado,
vencida com sofrimento
a dor do Amor encurtado,
no peito se abrasa em mágoa,
o rosto mostra esforçado.
O coração lhe dizia
o mal de que era assombrado,
Entende, sofre e gemia,
padece e maldiz seu fado.
A si mesma se esforçava,
[237v/b] e fazê-lo era forçado.
por dar esforço e consolo
a um pai desconsolado.
E pera poupar o fruito
do seu Amor desejado,
ó animosa Princesa,
quanto vos fica obrigado
um reino que, destroído,
por vós ficou restaurado.
Esforça-te Portugal,
pois te vês já melhorado
de um Rei que, antre os Reis,
estremo será chamado.

 

Elegía das Cárites

[238r] Choremos, morto Adónis, ah morreo
Adónis o fermoso,
Amores, ah chorai-me. Pereceo
o meu gosto amoroso,
doce bem deleitoso,
o meu, ah, tenro Amor,
minha glória e descanso, ah inda em flor.

Não dormirás já Vénus antre flores
no manto de escarlata,
de negra vestidura tinta em dores
te viste, pois to mata;
morte, que Amor desata,
e rasgando o teu peito
grita: «morreo Adónis», ah despeito!

Adónis jaz ferido d´alvo dente,
Vénus de dor eterna,
perdida a cor rosada da excelente
boca que não governa,
sae-lhe d´alva perna
negro sangue e tingio
[238v] de vermelho alva rosa onde tingio.

Mil beijos Citerea lhe está dando,
qu´ele ja não sintia;
de lágrimas as faces lhe regando
sobr´ele esmorecia;
«Amores meus –dizia-,
Adónis, ah choremos,
pois nele todo Amor e bem perdemos».

No corpo Adónis tem mortal ferida,
Vénus n´alma a padece,
anojada de si porque tem vida;
quando a d´alma perece
o viver a entristece,
maldiz a imortal sorte
que lhe tolhe seguir Amor na morte.

As Órcadas choram em cabelo,
o céo ferem com gritos,
no pasto as vacas sentem já perdê-lo,
os touros dão atitos,
vão berrando os cabritos
trás as mãis, que de espanto
polas serras lhe fogem, não sem pranto.

De toda parte as Ninfas acodindo
a atal desaventura,
com Vénus sobre o morto estão carpindo
lágrimas de amargura
que regavam a verdura,
em flores convertidas
e com vozes as Ninfas mui sentidas.

[237r] Um fermoso marido em verdes anos
perdeo, e juntamente
o doce Amor tão puro sem enganos,
e assi perder não se sente,
mas destroir consente
a sua gentileza
de suas próprias mãos com grã crueza.

A sua fermosura ja estimada
quando Adónis vivia,
dele querida e dela mal lograda,
par´ele só a queria,
par´ele se vestia,
par´ele se enfeitava
como o tinha contente, al não cuidava.

Perdeo-se com Adónis tudo junto
o seu contentamento,
e o seu gosto em Adónis é defunto,
mas vivo o sentimento
do duro apartamento,
de Adónis encurtado,
ah choremos Adónis mal logrado!

Morreo Adónis, ah soam montanhas
com temeroso som!
Com vozes Eco fere nas entranhas
de Vénus, triste tom:
«Pranto me deste em dom
-diz ela- ó Amor meu,
em pago de quem a ti se deu».

Detém-te hum pouco, Adónis, ah, detém-te,
[237v] dá-me sequer ouvidos,
as vítimas palavras de presente
recebe meus gemidos,
e se não são doridos,
quanto a causa requere
esta mágoa também inda me fere.

Nestes braços te tenho amor diante,
ergue os olhos quebrados,
toma os últimos beijos desta amante,
os suspiros cansados,
os soluços forçados,
enquanto a alma te dura
neste corpo da minha sepultura.

O fôlego na boca te tomando
beiços quentes com frios,
que passe teu esprito a mim, esperando
os meus olhos são rios,
ah, que cruéis desvios
de todo gosto humano!
fados imigos tem, ah, grave dano!

O doce amor estou assi bebendo,
o desejo enganando,
nas entranhas teu bafo recolhendo,
assi me está assoprando
o fogo que, queimando,
consume o coração
que padece e não morre de paixão.

Trabalhas, amor, ah, desconhecido,
apartar-te de mi,
[240r] e fugir deste corpo tão querido
o teu esprito, e assi,
arrasta-me após ti,
não me leixes tão só
de quem te vence Amor, vença-te dó.

Tu, desejado amigo, morrerás
contigo Amor perfeito,
que foi sombra e foi sono levarás,
eu fico a dor no peito,
viúva em triste leito,
em pranto e em saudade,
viva em senti-la e morta na vontade.

 

PROFECIAS

profecias-coimbra-joao-barreira-1567.pdf

[82v-83r] A vengança de Ifranasa terá termo abrindo-se estas ao cavaleiro a que os Fados, em satisfação de seu trabalho, têm prometido o fruto da traição.

[{4r-4v}: tavoada de capítulos] TAVOADA DOS CAPI- ׀ tolos do preſente Liuro. […]. Fim da Tauoada.

Capítulo I. Como teve princípio a Ordem de Cavalaria.

Capítulo II. Como el-Rei Artur foi traído por Morderet, seu filho.

Capítulo III. Da batalha que el-Rei Artur teve com Morderet, seu filho.

Capítulo IV. Como Sagramor foi levantado por rei e vencedor.

Capítulo V. Do que ordenaram os filhos de Morderet, sabida sua morte.

Capítulo VI. Como el-Rei Sagramor armou cavaleiro um donzel que veio à corte.

Capítulo VII. De uma aventura que veio a Londres, a que foi Fidonflor de Mares.

Capítulo VIII. De um mouro espanhol que veio à corte desafiar os cavaleiros da Távola Redonda.

Capítulo IX. Como o cavaleiro das armas cristalinas matou o gigante do castelo da estranha Torre.

Capítulo X. Em que o mouro espanhol acabou seu conto.

Capítulo XI. Como o cavaleiro das armas cristalinas topou com uma donzela que o guiou a seu fado.

Capítulo XII. De uma dona que veio à corte pedir socorro a el-Rei Sagramor.

Capítulo XIII. Como o cavaleiro das armas cristalinas, indo por mar, chegou à ilha Córsega e o que nela passou.

Capítulo XIV. Do que passou no castelo da estranha torre, mandando el-Rei tomar posse dele.

Capítulo XV. Do cabo que o cavaleiro das armas cristalinas deu à aventura que achou na Ilha Córsega.

Capítulo XVI. Como Muleizidão, Miramolim de África, determinou conquistar França, induzido por Godifert.

Capítulo XVII. De quem era o sábio Telorique e o princípio de Florismarte do Lago.

Capítulo XVIII. Como o cavaleiro das armas cristalinas se desviou de sua jornada e o que lhe aconteceu.

Capítulo XIX. Em que se conta a destruição del-Rei das ilhas Bem Afortunadas.

Capítulo XX. Como Arisbes negociou em França e o que fez o Miramolim com seu recado.

Capítulo XXI. Como Doristão Dautarixa, a requerimento de uma donzela, socorreu outra.

Capítulo XXII. Do que aqueceu aos Gémeos que partiram de Londres por se verem com o cavaleiro das armas cristalinas.

Capítulo XXIII. Como Padragonte de Suz foi à Espanha e o que nela lhe sucedeu.

Capítulo XXIV. Como o cavaleiro das armas cristalinas salvou de morte Belfloris, com ajuda de Florisbel.

Capítulo XXV. Do socorro que el-Rei Sagramor deu à rainha Drusianda.

Capítulo XXVI. Do que aqueceu a Deifilos de Xatra e Pinaflor.

Capítulo XXVII. Do que aconteceu a Fidonflor de Mares indo na rota da ilha Gócia.

Capítulo XXVIII. Do que passou em sua viagem Leonces de Renel.

Capítulo XXIX. Como Padragonte de Suz matou os irmãos da ponte do Sacrifício.

Capítulo XXX. Como Florisbel determinou ir-se a Inglaterra com Belfloris, por conselho do cavaleiro das armas cristalinas.

Capítulo XXXI. Como Doristão Dautarixa chegou à torre de Laudisea.

Capítulo XXXII. Do que sucedeu a dom Brisão de Lorges com a donzela Floresinda.

Capítulo XXXIII. Como Fidonflor, indo à ilha Gócia Oriental, achou dous Donzéis e o que com eles passou.

Capítulo XXXIV. Como Deifilos de Xatra e Pinaflor livraram o príncipe Aristandor.

Capítulo XXXV. De como o cavaleiro das armas cristalinas foi à gruta do Centauro.

Capítulo XXXVI. Da afronta em que se dom Brisão de Lorges viu em Damasco por causa de sua amiga.

Capítulo XXXVII. Da batalha que Doristão Dautarixa teve com Astribónio, duque de Milão, ante Laudisea.

Capítulo XXXVIII. De como o cavaleiro das armas cristalinas foi informado do gigante Argançom.

Capítulo XXXIX. Como dom Brisão de Lorges foi a Damasco.

Capítulo XL. Como Masília se veio com Laudisea à corte del-Rei Sagramor e o que lhes aqueceu no caminho.

Capítulo XLI. Do que passava na corte del-Rei Sagramor.

Capítulo XLII. Como o cavaleiro das armas cristalinas desencantou Celidónia.

Capítulo XLIII. Em que Corisanda conta a obrigação que os donzéis têm de seus avós.

Capítulo XLIV. Das festas que se fizeram na corte del-Rei Sagramor, por as bodas de Doristão Dautarixa.

Capítulo XLV. Das justas que fez o Cavaleiro do Centauro na corte.

Capítulo XLVI. De uma maravilhosa aventura que veio na corte.

Capítulo XLVII. Do torneio que fez o esclarecido Príncipe em idade de quinze anos.

Capítulo XLVIII. Do remate destas festas.

Fim da Tauoada.

 

ÁRVORE GENEALÓGICA DE PERSONAGENS (ARCHIVO):