Última atualização: 24/01/2020 - 06:00

ARGONÁUTICA DA CAVALARIA III-IV

AUTOR

TRISTÃO GOMES DE CASTRO

BIOGRAFIA

Sabe-se muito pouco dele. Só o genealogista Henrique Henriques de Noronha, grande conhecedor da história da Madeira e autor do Nobiliário Genealógico das Famílias que passarão a viver a esta ilha depois do seu descobrimento, tinha revelado alguns aspectos relativos à sua vida. Foi, em grande medida, a partir das suas pesquisas que pudemos descobrir a maioria dos dados biográficos que oferecemos de seguida. 
Natural do Funchal, as origens do nosso protagonista mergulham as suas raízes naquelas primeiras famílias que colonizaram o arquipélago da Madeira após a sua incorporação na coroa portuguesa, cerca de 1420, ano da chegada de João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz. O bisavô materno de Gomes de Castro foi João Gomes, apodado pelos seus contemporâneos “o Trovador” devido ao seu gosto pela composição de versos. Desta inclinação para a lírica existem vestígios no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), onde se recolhem ao redor de vinte composições suas, umas poesias que, unidas às de outros poetas madeirenses presentes no mesmo poemário, formaram o que Teófilo Braga denominou o “ciclo poético da Madeira”. De entre aquelas é digno de destaque, por exemplo, uma trova em louvor à senhora dona Felipa de Vilhena, que diz assim:

 

De Fernam da Silveira que daa borcado pera ũu jibam a quem fezer milhor trova de louvor à senhora dona Felipa de Vilhena e ha-de ser julgado per ela

Joham Gomez da Ilha

 

Tal é vosso parecer,
vossa fermosura tanta,
siso, bondade, saber,
que se nam pode dizer
quanto nem quanta.
Assi perfeita vos fez
Quem por nós morreo na cruz,
que de todas fareis pez
e trevas e de vós luz .

 

À margem da sua actividade literária, João Gomes não só teve terras de sesmaria nas margens da ribeira, cujo lugar passou a adquirir –e ainda conserva- o nome de João Gomes, senão que também ostentou o cargo de Pajem do Livro do infante D. Henrique, o que lhe permitiu, provavelmente, deter muitos bens na ilha da Madeira. Segundo consta no seu testamento, redigido no dia 7 de Novembro de 1495, foi também nomeado escudeiro do mesmo infante D. Henrique, e com a sua mulher, Guiomar Ferreira, filha de Gonçalo Aires Ferreira e viúva de João Afonso –seu primeiro marido-, instituiu um morgadio das suas possessões a favor dos seus filhos primogénitos. Tanto João Gomes como Guiomar Ferreira foram sepultados na Madeira, exactamente na capela de Nossa Senhora da Graça da desaparecida igreja de S. Francisco, lugar onde antigamente se mandava enterrar a maioria da nobreza lusitana.
Daquela união matrimonial nasceram quatro filhos, dois varões e duas fêmeas. Entanto que estas emparelharam com a família francesa dos Bettencourt, Guiomar Ferreira com João o Cavaleiro, e Bárbara Gomes Ferreira com João o Velho da Ribeira Brava, o filho mais velho, Bárbaro Gomes Ferreira, que, além de ser o sucessor na casa dos seus pais foi fidalgo do rei D. Manoel e intendente das obras da Sé velha do Funchal, casou, por primeira vez, com Guiomar Mendes de Vasconcelos, com quem teve a Luís Gomes de Vasconcelos, que se uniu em matrimônio, por sua vez, com a sua própria meia-irmã Mécia de Castro, filha de Paio de Sá, o descobridor da ilha de Ceilão, e de Genebra de Castro. Bárbaro Gomes Ferreira tomou segundas núpcias com esta última depois de ela enviuvar do seu marido, matrimónio do qual nasceu uma filha a que chamaram Joana Gomes de Castro.
Várias décadas depois, a mesma Joana Gomes de Castro conheceu um descendente de fidalgos castelhanos chamado Cristóvão Martins de Agrinhão e Vargas, filho de Isabel de Agrinhão e de Martim Gonçalves de Vargas e Gusmão. Tratava-se de um sevilhano que tinha vindo para Portugal como Mordomo Mor da duquesa de Bragança, dona Leonor de Mendonça. Com a passagem do tempo, Cristóvão chegou a ser fidalgo da Casa do duque de Bragança D. Jaime, cujo serviço abandonou como consequência da violenta morte da duquesa. Este trágico acontecimento incitou-o a embarcar rumo às Américas com o fim de tentar fazer fortuna no Perú, daí que a sua família adquirisse desde então o apelativo dos “Perús”. Contudo, por motivos desconhecidos viu-se forçado a voltar a Europa vários anos mais tarde, mas desta vez instalou-se na cidade do Funchal, onde casou com Joana Gomes de Castro. Com ela teve dois filhos: Francisco, que morreu criança, e o nosso Tristão Gomes de Castro, que nasceu por volta do dia 3 de Setembro de 1539, data da morte da mãe como consequência do parto . Por esta causa, o nosso autor adquiriu o nome de Tristão em lembrança da sua defunta mãe, pseudónimo, por outro lado, muito comum numa época marcada por estes sucessos.
Devido, portanto, às trágicas circunstâncias do seu nascimento e por um acaso do destino, Tristão Gomes de Castro converteu-se no herdeiro da casa dos seus avós, Bárbaro Gomes Ferreira e Genebra de Castro, em título de “Gomes de Castro”. Transcorrida a sua infância, provavelmente, junto da corte portuguesa, alcançou a ser fidalgo da casa do rei D. João III, cavaleiro da ordem militar de Cristo e, por último, Alferes-Mor da ilha da Madeira.
Na sua estadia na corte casou pela primeira vez com Izabel de Andrada, dama da rainha Dna. Catarina e filha de Isabel Rodrigues Berenguer e de Ruy Gonçalves -ou Fernandes- d´Andrada. Fruito desta relação foram os seus dois filhos João Gomes de Castro, sucessor da casa do seu pai, e Guiomar de Andrada, vinda ao mundo em 1563 e morta solteira no dia 26 de Janeiro de 1615.
Uns meses após o falecimento da sua primeira mulher –a 28 de Março de 1567-, Tristão Gomes de Castro, trasladado definitivamente na cidade do Funchal, uniu-se em matrimónio pela segunda vez, “em vinte e cinco dias do mês de Novembro de 1567”, “a Andreza d´Abreu, filha de Pedro Carreiros e de sua molher Antónia Rabela, natural de Funchal”, como assim o testemunha o Livro de Casamentos da freguesia da Sé de Funchal, número 50, fl. 52. Deste enlace matrimonial com Andreza de Abreu nasceram até cinco filhos: Diogo Carreiro de Castro, António Gomes de Castro, Antónia de Abreu, Joana de Abreu e Francisca de Castro.
Na capital madeirense o casal estabeleceu-se “no Caminho do Meio, asima da sua quinta da Vista Bela”, lugar onde consagrou uma ermida à invocação de Nossa Senhora dos Prazeres. No 16 de Janeiro de 1590, ambos os cônjuges exigiam em um documento público, assinado pelo notário Miguel Antunes Pereira, que um tal Pascual de Paiva Pedreiro, ou, no seu defeito, os seus herdeiros, lhes pagassem três mil réis anuais de foro para mantimento da dita propriedade. Com base neste mesmo documento, sabe-se que Tristão Gomes de Castro possuia quanto menos um criado de nome António Pinto, o qual esteve presente como testemunha neste instrumento de obrigação.
Três anos depois, o nosso protagonista sofreria na carne as terríveis consequências do incêndio que devastou a ilha da Madeira a 26 de Julho de 1593, segundo relata uma miscelânea manuscrita conservada na Biblioteca Nacional de Lisboa:

 

“[No] dia da gloriosa S.ta Ana (…), entre as onze & as doze horas da noite veyo hũ rayo do Ceo, que tinha aparecido na Ilha havia quinze dias, o qual rayo deu em uma das melhores & mais ricas casas que na cidade havia, que heraõ de Tristaõ Gomes de Castro, & dentro em quatro horas se queimaraõ cento e cincoenta & quatro moradas de cazas, as melhores & mais principaes de toda a cidade, onde se queimaraõ mais de cinco mil pães de assucar & muito infinito fato: & antes de soceder este fogo, ouve vinte & quatro horas de taõ grandissimo fogo de calma do Ceo, ventando muito rijo vento Leste, que naõ havia pessoa viva que dentro destas vinte & quatro horas sahise de casa, nem abrise janela, nem se podia soffrer dentro das casas, nem se podia nestas estar por ser o ar taõ quente, que tudo era cuidarem que pereciaõ, & o vento era tal que parecia queimava os ossos, cousa que jamais os homens viraõ nestas partes. Neste tempo das vinte & quatro horas se estima a perda que trouxe nas vinhas em duzentos mil cruzados, porque muitas ficaram vendimadas, & ficou tudo taõ abrazado & de tal maneira que, tomadas nas maõs as folhas, se lhes faziaõ como cinzas, cousa de grande admiraçaõ: & ao cabo de pouco tempo sucedeo este fogo, que foi taõ forçoso & furioso que naõ houve braço humano q o podesse aplacar, com grandes receyos de toda a Ilha se abrazar, & para mayor admiraçaõ chegou o fogo ate a fortaleza, onde estavaõ trezentos quintaes de polvora, & saltando na fortaleza onde nenhũ remedio tinha a cidade & gente della senaõ ficar tudo abrazado & asolado, prouve á Miz.ª devina q com muita presteza se apagou & com grande medo estivemos toda aquella noyte com m.tas guardas & arteficios de agua que se fizeraõ para se apagar o fogo, se tornase á fortaleza, de modo que naõ houve q.m deixase de despejar de sua casa para muito longe do fogo, & p.ª com mais espanto se considerar a ordem & modo que o fogo teve em abrazar dentro em quatro horas o que abrazou salpicava as casas que lhe parecia, porque abrazou algumas que estavaõ meya legoa de outras, deixando o fogo outras que ao deredor & perto estavaõ, que foi uma das mais temerosas cousas q até aquelle tempo aconteceo. Fica a Ilha de todo o ponto perdida, & de tal força que para tarde se restaurará. Parece castigo de pecador, & por muita Miz.ª devina que por aqui acabe, & não vá avante, como merecemos”. 

 

De acordo com os dados oferecidos pelo Centro de Estudos de História do Atlântico, após a desaparição de várias capelas de Nossa Senhora dos Prazeres propriedade dos Gomes de Castro, como consequência provavelmente da catástrofe antes narrada, Tristão voltou a fundar no 1610, na sua quinta de Bela Vista, uma nova ermida sob a invocação da mesma virgem, em cujo frontispício ordenou gravar o dístico seguinte:

 

Haec monumenta Tibi, Tristanus, Virgo, sacravit;
ampla sibi, meritis illa minora facis . 

 

Uns anos mais tarde, Tristão Gomes de Castro faleceria “em os 14 dias do mes de março” no seu Funchal natal quando tinha 71 anos de idade, como assim se contempla no Livro da Sé de Funchal, nº 72, fls. 139-139v, onde, após ter redigido o seu testamento em favor da sua filha Guiomar de Andrada, expressava o seu desejo de ser enterrado na sua capela da igreja de São Francisco. Eis as palavras que figuram no registo:

 

Em os 14 dias do mês de março de 611 faleceo nesta cidade Tristão Gomes de Castro. Fez testamento, o qual foi feito e aprovado por João Luís Botelho, notário. Mandou-se enterrar em São Francisco, na sua capela. Deixa a sua terça à sua filha dona Guiomar, sem obrigação alguna, a qual faz sua testamenteira, e a seu filho João Gomes de Castro.
Manda que lhe digam duas missas no altar das almas de São Francisco, e duas no altar de Jesús da Sé.
Item, manda que na sua capela da Concepção lhe digam duas missas; manda que lhe façam três ofícios de nove lições, dous em São Francisco e hum na Sé, aonde é freguês, cada hum ofertado com hum saco de trigo, hum barril de vinho e hum carneiro.

 

Uma vez morto, e segundo opinião de Henriques de Noronha, Tristão não só seria lembrado como um cavaleiro “discreto e erudito”, “como se vê dos muitos livros que compôs”, senão também como “singular poeta latino”, tendo deixado algumas obras manuscritas tanto em verso como em prosa, a maioria delas histórias de cavalarias, “ao uso daqueles tempos mais antigos, das quais ainda alcançamos ver algũas”.

 

ÁRVORE GENEALÓGICA

MANUSCRITOS

AC 3-4. LISBOA. ANTT: MS. DA LIVRARIA, 1143

PARATEXTOS FRONTISPÍCIO

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[{1r}] Quarta Parte da Argonáutica e Cavaleria em que se dão fim às grandes espantozas guerras que os príncepes do Poente faziam ao grande império grego e proseguem as  grandes e maravilhozas proezas do grão Leomundo de Grécia. E de como por ũa estranha aventura desapareseo do seo arraial a grão Princeza de Espanha e do luguar onde foi ter, e de como foi livre por este felesíssimo Príncepe, estranhas e já nunca vistas batalhas que sobre a livrar pasou; e da rezão do grande e poderozo estado do grão Tamumberque, terror e espanto do mundo, recontros que os príncepes ponentinos em seu império tiveram, piadoza e enfilize morte do príncepe Lindores, seu filho, princípio da estranha e cruel guerra que contra Grécia cometeo, fim dos gloriozos amores dos príncepes de Grécia e cavaleiros, segundo o escreveram, na línguoa grega, o grande e famozo Arideo, na latina o grande poeta Protino, em a nossa portugueza.

 

PARATEXTOS CÓLOFON

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[167v/b] Este serviço que, inda que falto daquele ornato e polido estilo que houvera de ter, mas como for de Vossa Excelência favoresido, ficará sempre seguro daqueles que o devem ter por sobejo atrevimento.

 

COMPOSIÇÕES POÉTICAS

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III PARTE

 

[2r] Não perca a esperança em seu cuidado
O que tem por Amor já merecido,
que quando mais queixosso e mais perdido
viva a ser mais contente e envejado.

O que mereces, humilde e disfraçado,
nunca da sorte e Amor fica esquesido,
que o meo de ficar alto e sobido
é saber homem de um baixo estado.

Faça o tempo e a sorte mil mudanças,
reprezente imposibles cada dia,
tire, destrua, abata confianças,

que o que segue o querer com ouzadia
vai melhorando sempre as esperanças
até que em tantos anos venha um dia.

 

 

[3r/b] Quando a vida se contenta
é porque aquele que aguoza
folga de a ter ossioza
e a sorte não exprimenta.


[3r/b] Amor que enganozamente
promete o que há de neguar
com rezão se há de tratar
como homissida insolente.

 

 

[31r/a] ¿Qué nueva tempestad, qué trovellino
de enredos levantaste, amor tirano,
buscando entre mi zeloza mano
como si no bastara mi destino?

A mi desdicha tu crueldad previno
y ansí pervine mi defença em vano,
que opuestas fe y amor a un pecho insano
si no pierden valor, pierden el tino.

Si a paso llano, amor, ivas matando
y eran verdugo desabridos años,
¿para qué tanta prisa y tal violencia?

Si no es que mayor gloria muestras cuando
hazes que a quien matavan desengaños
pueda también morir por competencia.

 

 

[36v] Oitavas

Já vai mostrando a nova claridade
um leve engano a minha fantezia.
Já tenho de queixar-me, liberdade,
uzando dos remédios que temia.
Ai, limitados bens!, ¿com que vontade
me fiarei de vosa companhia
se estaes tão arriscados neste peito
como eu das vosas sombras satisfeito?

Já meu querer está mais conhesido,
mas com nenhũas mostras de esperança
pelos sinaes de sorte estou perdido,
que do paçado mal vive a lembrança.
Morrer nas suas mãos não no dovido
se executar quizer meu bem vingança.
Porém, al não seja de tal sorte,
que um desterro me dê antes que a morte.

Deixou-me, Amor, guozar na vida escasa
o bem que só sustenta minha vida,
que se com outros males me ameasa,
outro não temo mais que ũa partida;
nos sentidos se vingue e satisfaça
em prezença da glória tão sobida,
que nada hei de temer a vista dela
e a vida perderei se hei de perdê-la.

 

 

[52r/b] Romance

Já vai descobrindo a sorte
as sombras que me esconderam
em confuzão de cuidados
com abismo de receos.

E ainda que minha esperança
está nos ramos primeiros
tão encolhida e murchada
como colhida sem tempo,

tem luguar minha afeição
de mostrar muitos estremos
a quem nem deles se obrigua
nem de ver que não me queixo.

Se deixar-me padeser
me deixou para remédio,
nasido da crueldade,
buscado pelo dezejo,

se atrás de tantos cuidados
me andemar, isso quero,
¿mas quem tirará tal vida
do luguar donde a sustento?

Sem uns olhos está posta,
devinos pelo sugeito,
ditozos pelo luguar,
poderozos por si mesmos,

¿quem se atreverá sem eles
quando eu apenas me atrevo
a proseguir seus louvores
53r em tão limitados versos?

 

 

[52v/b] Cansão

Venturozo cuidado
o que desconhecido
vem a ser estimado
ganhando-se com ele mais perdido,
que na defeculdade
abre caminho a sua liberdade.

Não há maior ventura
que a que, desconhecida,
coando menos segura,
então dá segurança, gosto e vida,
que quando não se aguarda
então se estima o bem depois que tarda.

Quem loguo desconfia
sem rezão se lamenta,
porque a sorte varia.
Aguora desgostos e tormenta
e em espaço breve
tem mais luguar os bens do que o mal teve.
Celebre justamente
dos males a mudança
o que tão diferente
53v em seo momento vê a sua esperança,
ele muda nũa ora
a um estranho ser qual nunqua fora.

 

 

[64v/b] Nos estremos de valor
fostes quanto se procura,
mas o fim desta aventura
perdeis por falta de Amor.

 

 

[65r/a] Quando mais desesperado
se deve estimar a vida,
porque quando mais perdida
nas mãos de Amor é ganhada.


[65r/b] Em mal já desesperado
nenhum remédio se alcança
da vida nem da mudança.

 

 

[65v/a] Quem se obrigou da mudança,
que espera de sua impreza,
pois somente firmeza,
se a segura, ele descança?

 

 

[66v/a] Para me poder vencer,
nem me obriguo nem me temo,
senão de maior estremo.

 

 

[67r/a] Se por amor se aventura
a glória desta aventura.

 

 

[67v/b] Nosso Amor diz a Fortuna
que busquemos
por fugir a seus estremos.

 

 

[71v/b] Oitavas

Em a ventura alhea confiado
espero ver o bem que não se alcança
e temo, por ser meu este cuidado,
que inda se vingue a sorte da esperança.
Por ver somente noutro estou trocado,
se se trocar a sorte na mudança,
mas, se se trocase esta glória, já parece
que com me ver nem sombra me conhece.

D´outra que não tem mais que a vista pura
envejo a vida com o contentamento,
que até isto negou minha ventura
para dobrar a cauza a meu tormento.
Asi não tardeis, devina fermozura,
não me mate primeiro o sentimento
que eu veja o novo rostro claro e belo,
pois mudei próprio ser por poder vê-lo.

 

 

IV PARTE 

 

[81r/a] Prezo está da sua mão
o que o engano traçou,
que nesta rede o deixou
a Vingança e a Rezão.

 

 

[96r/b] Se a Vénus tanto excedeis
no poder e fermozura,
quem me igoala na ventura?

 

 

[96v/b] Com suave melodia
suspende aos condenados,
porém, não a meus cuidados.

 

[96v/b] Asim como nunqua alcança
Sísifo a fim ao dezejo,
asim no princípio vejo
de novo minha esperança.

 

[96v/b] Nas do corpo se sustenta
esta ave com dor mortal,
mas passa avante o meu mal,
que corpo e alma atormenta.

 

 

[98v/b] Quando mais perdida, cobrada.

 

 

[97r/a] Sobe esta a mor altura,
e dele sempre voltando,
porém, a roda em que ando
volta só na desventura.

 

[97r/a] Nem a vista deste mal,
que consumir-me procura,
perde sua fermozura,
nem muda o seu natural.

 

 

[99r/b] O bem, quanto mais custozo,
Deve de ser mais estimado
e deve dar mor cuidado
o que está mais periguozo.

 

 

[102r/a] Da beleza destas flores
não se pode esperar muito
quando tem penas por fruito.


[102r/a] Minha voltaria esperança
me foi deixar no melhor;
por isso mudei a cor
e eu com ela a confiança.

 

 

[102v/a] Remédio contra os sentidos
pera todos poder haver,
mas em mi não pode ser.

 

 

[103r/a] Neste campo o sol padeçe | Afrontas e disfauores | que nos outros cria flores | porem neste se escurese.

 

 

[103v/b] Muito bem vejo o periguo
e o bem tão cobiçozo,
que me parece fermozo
o riguor deste inimiguo.

 

 

[125r/a] Soneto

Memória que de um bem fazes lembrança
que agora em sombras vivas me atromenta,
se em voz minha esperança se sostenta,
com que enguanareis já minha esperança?

Devina Rosilea, em quem descança
meu mal, por que meu dano me contenta?
Como aguora estareis de todo izenta
de quem nem com os suspiros voz alcança?

Ditouzo o roubador de tal tizouro,
desgraciado o mízero e captivo,
despidido de vós, triste Linterno.

Aonde estais, glória minha, por quem morro?
Que enquanto nesta pena sem vós vivo,
será meu coração penozo inferno.

 

 

[130r/b] Letra

Não se atreve contra o sol
qualquer ave alevantada
que perdem a luz a vista
quoando procura gozá-la.

Só a águia, d´antre todas,
vence aquela luz que abraza.
Donde as mais têm o periguo
ela só vive e descança.

O sol de tal fermozura
com tantos raios de graça,
que assendem mil pensamentos
e que a todos desenganam.

Quem será tão atrevido
que com contrafeitas azas,
com olhos sobejos e humildes
quera, atrevendo-se, olhá-la?

Bem sei que é serto perder-me,
mas é tão suave a cauza
que  pera perder a vista
só olhar para ela basta.

Mal teme essa fermozura
e esta minha confiança,
que se dá vida enganando,
também por enganos mata.

 

 

[148v] Da potência e do valor,
da rezão e da ventura,
da graça, da fermozura,
de tudo triunfa Amor.

 

 

[149r] É tão grande o seu poder
que indo a tão alta impreza
para fazer nela preza
chegou vencido a morrer.

 

CARTAS

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III PARTE 

 

[17r/b] Carta

[17v/a] Rosilea, prinzesa de Espanha, ao pastor, saúde.

Ainda que dizcuidos mereçam mais castiguos que lembranças, devo tanto a quem sou que, por não faltar a fé que prometi, me esqueso das ofenzas com que me vejo. Não dizem bem com cuidados memórias esquesidas. Nem de Linterno cuidei nunqua lhes faltasse as daquele tempo em que soube ser milhor amante que pastor. Em Grécia fico e dezejoza de te ver se agradece esta vontade. Confese-te quem sem ti tudo me canza e con Linterno tudo me parece bem.

 

 

[18r/a] Carta.

Russilea, prinzessa de Espanha, ao pastor, saúde:

Ainda que discuidos mereção mais castiguos que lembranças, devo tanto a quem sou que por não faltar a fé que prometi, me esqueso das ofenzas com que me vejo. Não dizem bem com cuidados memórias esquesidas, nem de Linterno cuidei nunqua lhe faltasse as daquele tempo em que soube ser milhor amante que pastor. Em Grécia fico e desejoza de te ver, e se agradeces esta vontade confese-te quem sem ti tudo me cauza e com Linterno tudo me parece bem.

 

 

[53v/b] Filha, damos graças aquela devina providência que com tão pouco custo nosso ordenou que os príncepes de Grécia na força de sua justa vingança pudecem mostrar a clemência de sua grandeza. E porque o estado dessas princezas deu de lastimar e não pouco os ânimos generozos, folguaríamos que condoendo-vos de seu suceço as regualeis e fizesses tudo pelas servir, e no fim, pondo-as em liberdade as mandéseis ao seu arraial com aquele acompanhamento e grandeza que da vossa se deve esperar, para que desta maneira satisfaçamos ao que devemos, mostrando com testemunho de nossa grandeza que na força da guerra não perdemos o respeito que se deve a suas pessoas, rematando 54r com ũa glorioza vitória, que é o que nela buscamos e pretendemos.

 

PROFECIAS

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III PARTE

 

[6r/b] Aqui padesse Belizandra, princeza universal da grão Turquia, o bem que quis a quem pela princeza dos gregos engeitou o seu amor, pelo que nenhum seja tão ouzado que daqui a queira tirar, salvo se confiado em seu esforso e valor tiver poder para librar de quem por lhe dar a vida a meteo neste luguar de seu tormento.

 

 

IV PARTE