AUTOR
TRISTÃO GOMES DE CASTRO
BIOGRAFIA
Sabe-se muito pouco dele. Só o genealogista Henrique Henriques de Noronha, grande conhecedor da história da Madeira e autor do Nobiliário Genealógico das Famílias que passarão a viver a esta ilha depois do seu descobrimento, tinha revelado alguns aspectos relativos à sua vida. Foi, em grande medida, a partir das suas pesquisas que pudemos descobrir a maioria dos dados biográficos que oferecemos de seguida.
Natural do Funchal, as origens do nosso protagonista mergulham as suas raízes naquelas primeiras famílias que colonizaram o arquipélago da Madeira após a sua incorporação na coroa portuguesa, cerca de 1420, ano da chegada de João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz. O bisavô materno de Gomes de Castro foi João Gomes, apodado pelos seus contemporâneos “o Trovador” devido ao seu gosto pela composição de versos. Desta inclinação para a lírica existem vestígios no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), onde se recolhem ao redor de vinte composições suas, umas poesias que, unidas às de outros poetas madeirenses presentes no mesmo poemário, formaram o que Teófilo Braga denominou o “ciclo poético da Madeira”. De entre aquelas é digno de destaque, por exemplo, uma trova em louvor à senhora dona Felipa de Vilhena, que diz assim:
De Fernam da Silveira que daa borcado pera ũu jibam a quem fezer milhor trova de louvor à senhora dona Felipa de Vilhena e ha-de ser julgado per ela
Joham Gomez da Ilha
Tal é vosso parecer,
vossa fermosura tanta,
siso, bondade, saber,
que se nam pode dizer
quanto nem quanta.
Assi perfeita vos fez
Quem por nós morreo na cruz,
que de todas fareis pez
e trevas e de vós luz .
À margem da sua actividade literária, João Gomes não só teve terras de sesmaria nas margens da ribeira, cujo lugar passou a adquirir –e ainda conserva- o nome de João Gomes, senão que também ostentou o cargo de Pajem do Livro do infante D. Henrique, o que lhe permitiu, provavelmente, deter muitos bens na ilha da Madeira. Segundo consta no seu testamento, redigido no dia 7 de Novembro de 1495, foi também nomeado escudeiro do mesmo infante D. Henrique, e com a sua mulher, Guiomar Ferreira, filha de Gonçalo Aires Ferreira e viúva de João Afonso –seu primeiro marido-, instituiu um morgadio das suas possessões a favor dos seus filhos primogénitos. Tanto João Gomes como Guiomar Ferreira foram sepultados na Madeira, exactamente na capela de Nossa Senhora da Graça da desaparecida igreja de S. Francisco, lugar onde antigamente se mandava enterrar a maioria da nobreza lusitana.
Daquela união matrimonial nasceram quatro filhos, dois varões e duas fêmeas. Entanto que estas emparelharam com a família francesa dos Bettencourt, Guiomar Ferreira com João o Cavaleiro, e Bárbara Gomes Ferreira com João o Velho da Ribeira Brava, o filho mais velho, Bárbaro Gomes Ferreira, que, além de ser o sucessor na casa dos seus pais foi fidalgo do rei D. Manoel e intendente das obras da Sé velha do Funchal, casou, por primeira vez, com Guiomar Mendes de Vasconcelos, com quem teve a Luís Gomes de Vasconcelos, que se uniu em matrimônio, por sua vez, com a sua própria meia-irmã Mécia de Castro, filha de Paio de Sá, o descobridor da ilha de Ceilão, e de Genebra de Castro. Bárbaro Gomes Ferreira tomou segundas núpcias com esta última depois de ela enviuvar do seu marido, matrimónio do qual nasceu uma filha a que chamaram Joana Gomes de Castro.
Várias décadas depois, a mesma Joana Gomes de Castro conheceu um descendente de fidalgos castelhanos chamado Cristóvão Martins de Agrinhão e Vargas, filho de Isabel de Agrinhão e de Martim Gonçalves de Vargas e Gusmão. Tratava-se de um sevilhano que tinha vindo para Portugal como Mordomo Mor da duquesa de Bragança, dona Leonor de Mendonça. Com a passagem do tempo, Cristóvão chegou a ser fidalgo da Casa do duque de Bragança D. Jaime, cujo serviço abandonou como consequência da violenta morte da duquesa. Este trágico acontecimento incitou-o a embarcar rumo às Américas com o fim de tentar fazer fortuna no Perú, daí que a sua família adquirisse desde então o apelativo dos “Perús”. Contudo, por motivos desconhecidos viu-se forçado a voltar a Europa vários anos mais tarde, mas desta vez instalou-se na cidade do Funchal, onde casou com Joana Gomes de Castro. Com ela teve dois filhos: Francisco, que morreu criança, e o nosso Tristão Gomes de Castro, que nasceu por volta do dia 3 de Setembro de 1539, data da morte da mãe como consequência do parto . Por esta causa, o nosso autor adquiriu o nome de Tristão em lembrança da sua defunta mãe, pseudónimo, por outro lado, muito comum numa época marcada por estes sucessos.
Devido, portanto, às trágicas circunstâncias do seu nascimento e por um acaso do destino, Tristão Gomes de Castro converteu-se no herdeiro da casa dos seus avós, Bárbaro Gomes Ferreira e Genebra de Castro, em título de “Gomes de Castro”. Transcorrida a sua infância, provavelmente, junto da corte portuguesa, alcançou a ser fidalgo da casa do rei D. João III, cavaleiro da ordem militar de Cristo e, por último, Alferes-Mor da ilha da Madeira.
Na sua estadia na corte casou pela primeira vez com Izabel de Andrada, dama da rainha Dna. Catarina e filha de Isabel Rodrigues Berenguer e de Ruy Gonçalves -ou Fernandes- d´Andrada. Fruito desta relação foram os seus dois filhos João Gomes de Castro, sucessor da casa do seu pai, e Guiomar de Andrada, vinda ao mundo em 1563 e morta solteira no dia 26 de Janeiro de 1615.
Uns meses após o falecimento da sua primeira mulher –a 28 de Março de 1567-, Tristão Gomes de Castro, trasladado definitivamente na cidade do Funchal, uniu-se em matrimónio pela segunda vez, “em vinte e cinco dias do mês de Novembro de 1567”, “a Andreza d´Abreu, filha de Pedro Carreiros e de sua molher Antónia Rabela, natural de Funchal”, como assim o testemunha o Livro de Casamentos da freguesia da Sé de Funchal, número 50, fl. 52. Deste enlace matrimonial com Andreza de Abreu nasceram até cinco filhos: Diogo Carreiro de Castro, António Gomes de Castro, Antónia de Abreu, Joana de Abreu e Francisca de Castro.
Na capital madeirense o casal estabeleceu-se “no Caminho do Meio, asima da sua quinta da Vista Bela”, lugar onde consagrou uma ermida à invocação de Nossa Senhora dos Prazeres. No 16 de Janeiro de 1590, ambos os cônjuges exigiam em um documento público, assinado pelo notário Miguel Antunes Pereira, que um tal Pascual de Paiva Pedreiro, ou, no seu defeito, os seus herdeiros, lhes pagassem três mil réis anuais de foro para mantimento da dita propriedade. Com base neste mesmo documento, sabe-se que Tristão Gomes de Castro possuia quanto menos um criado de nome António Pinto, o qual esteve presente como testemunha neste instrumento de obrigação.
Três anos depois, o nosso protagonista sofreria na carne as terríveis consequências do incêndio que devastou a ilha da Madeira a 26 de Julho de 1593, segundo relata uma miscelânea manuscrita conservada na Biblioteca Nacional de Lisboa:
“[No] dia da gloriosa S.ta Ana (…), entre as onze & as doze horas da noite veyo hũ rayo do Ceo, que tinha aparecido na Ilha havia quinze dias, o qual rayo deu em uma das melhores & mais ricas casas que na cidade havia, que heraõ de Tristaõ Gomes de Castro, & dentro em quatro horas se queimaraõ cento e cincoenta & quatro moradas de cazas, as melhores & mais principaes de toda a cidade, onde se queimaraõ mais de cinco mil pães de assucar & muito infinito fato: & antes de soceder este fogo, ouve vinte & quatro horas de taõ grandissimo fogo de calma do Ceo, ventando muito rijo vento Leste, que naõ havia pessoa viva que dentro destas vinte & quatro horas sahise de casa, nem abrise janela, nem se podia soffrer dentro das casas, nem se podia nestas estar por ser o ar taõ quente, que tudo era cuidarem que pereciaõ, & o vento era tal que parecia queimava os ossos, cousa que jamais os homens viraõ nestas partes. Neste tempo das vinte & quatro horas se estima a perda que trouxe nas vinhas em duzentos mil cruzados, porque muitas ficaram vendimadas, & ficou tudo taõ abrazado & de tal maneira que, tomadas nas maõs as folhas, se lhes faziaõ como cinzas, cousa de grande admiraçaõ: & ao cabo de pouco tempo sucedeo este fogo, que foi taõ forçoso & furioso que naõ houve braço humano q o podesse aplacar, com grandes receyos de toda a Ilha se abrazar, & para mayor admiraçaõ chegou o fogo ate a fortaleza, onde estavaõ trezentos quintaes de polvora, & saltando na fortaleza onde nenhũ remedio tinha a cidade & gente della senaõ ficar tudo abrazado & asolado, prouve á Miz.ª devina q com muita presteza se apagou & com grande medo estivemos toda aquella noyte com m.tas guardas & arteficios de agua que se fizeraõ para se apagar o fogo, se tornase á fortaleza, de modo que naõ houve q.m deixase de despejar de sua casa para muito longe do fogo, & p.ª com mais espanto se considerar a ordem & modo que o fogo teve em abrazar dentro em quatro horas o que abrazou salpicava as casas que lhe parecia, porque abrazou algumas que estavaõ meya legoa de outras, deixando o fogo outras que ao deredor & perto estavaõ, que foi uma das mais temerosas cousas q até aquelle tempo aconteceo. Fica a Ilha de todo o ponto perdida, & de tal força que para tarde se restaurará. Parece castigo de pecador, & por muita Miz.ª devina que por aqui acabe, & não vá avante, como merecemos”.
De acordo com os dados oferecidos pelo Centro de Estudos de História do Atlântico, após a desaparição de várias capelas de Nossa Senhora dos Prazeres propriedade dos Gomes de Castro, como consequência provavelmente da catástrofe antes narrada, Tristão voltou a fundar no 1610, na sua quinta de Bela Vista, uma nova ermida sob a invocação da mesma virgem, em cujo frontispício ordenou gravar o dístico seguinte:
Haec monumenta Tibi, Tristanus, Virgo, sacravit;
ampla sibi, meritis illa minora facis .
Uns anos mais tarde, Tristão Gomes de Castro faleceria “em os 14 dias do mes de março” no seu Funchal natal quando tinha 71 anos de idade, como assim se contempla no Livro da Sé de Funchal, nº 72, fls. 139-139v, onde, após ter redigido o seu testamento em favor da sua filha Guiomar de Andrada, expressava o seu desejo de ser enterrado na sua capela da igreja de São Francisco. Eis as palavras que figuram no registo:
Em os 14 dias do mês de março de 611 faleceo nesta cidade Tristão Gomes de Castro. Fez testamento, o qual foi feito e aprovado por João Luís Botelho, notário. Mandou-se enterrar em São Francisco, na sua capela. Deixa a sua terça à sua filha dona Guiomar, sem obrigação alguna, a qual faz sua testamenteira, e a seu filho João Gomes de Castro.
Manda que lhe digam duas missas no altar das almas de São Francisco, e duas no altar de Jesús da Sé.
Item, manda que na sua capela da Concepção lhe digam duas missas; manda que lhe façam três ofícios de nove lições, dous em São Francisco e hum na Sé, aonde é freguês, cada hum ofertado com hum saco de trigo, hum barril de vinho e hum carneiro.
Uma vez morto, e segundo opinião de Henriques de Noronha, Tristão não só seria lembrado como um cavaleiro “discreto e erudito”, “como se vê dos muitos livros que compôs”, senão também como “singular poeta latino”, tendo deixado algumas obras manuscritas tanto em verso como em prosa, a maioria delas histórias de cavalarias, “ao uso daqueles tempos mais antigos, das quais ainda alcançamos ver algũas”.
ÁRVORE GENEALÓGICA